Ritual Kudhira Nvura no Monte Chinhamapere.
Desderio Supeia.
Resumo.
Este texto foi
desenvolvido pelo autor, no âmbito da elaboração da sua monografia intitulada
ao tema: O papel do ritual Kudhira Nvura na preservação das pinturas rupestres
de Chinhamapere. O texto traz apenas consigo um leque de ideias e pensamentos
de diversos autores a cerca da dinâmica processual dos ritos, suas
manifestações e tipologias. Visto que, a análise dos sistemas simbólicos e a
análise da dinâmica processual tem uma tal importância que vai além do
interesse académico, pois ambas tocam em profundidade a nossa perceção social.
A história não é suficiente em ordem a uma percepção global e adequada dos
traços culturais. Além disso, existe uma constante e interna dinâmica da
estrutura social. É esta uma das experiências mais importantes do antropólogo,
do historiador e de todo o cientista ou pesquisador social. O texto foi
construído apenas tendo em conta fontes bibliográficas, consultadas na
Biblioteca da Universidade Licungo-Beira, para servir de auxílio ao estudante
pesquisador. O texto traz uma visão genérica do que são ritos, rituais e suas
manifestações. Construído para servir de guia, pesquisa e investigação à
todos os interessados por questões culturais.
Palavras Chave: Ritos,
rituais, Cultura, Religião[1].
Os antropólogos físicos
concentram os seus esforços no estudo das características biológicas do homem,
e os arqueólogos tratam da origem e crescimento das manifestações universais e
locais de culturas passadas, mas a interação das pessoas vivas umas em relação
as outras, assim como em relação e os seus ambientes físicos e a soma total dos
seus fenómenos culturais, e é a primeira preocupação dos antropólogos
culturais. cada sociedade tem a sua maneira de viver própria que engloba um
certo número de actos de comportamento regularmente repetidos assim como um
conjunto de valores simbólicos extrabiologicos, por intermédio dos quais a
conduta dos seus membros é regulada. (TITIEV, 1959:185).
Não há nenhuma forma
matematicamente de definir uma sociedade, mas de uma maneira geral pode se
dizer que consiste num grupo de indivíduos de ambos os sexos que residem numa
localidade, reconhecem a mesma autoridade administrativa, vivem de acordo com
os mesmos padrões de valores, e interatuam ou cooperam para prossecução de
objectivos comuns. (TITIEV, 1959:185).
Os antropólogos culturais,
portanto, pretendem descobrir e registar o modo básico de comportamento ou padrão
de cultura que dá origem à vontade de um grupo viver em conjunto. Não é
necessária muita experiência para compreender que, mesmo dentro de uma
sociedade pequena, não letrada e relativamente pequena homogénea, tem que
prevalecer mais do que um padrão de cultura. Como um mínimo irredutível, não é
fácil encontrar-se uma forma idêntica de vida prescrita para os homens e
mulheres adultos, jovens e adultos.
O HOMEM E O SOBRENATURAL.
A RELIGIAO PRIMITIVA COMO
FORÇA-SOCIO-CULTURAL.
Segundo TITIEV (1959:290),
“a própria existência de valores culturais simbólicos cria dificuldades
desconhecidas dos sub-humanos, que todo e qualquer padrão de vida em grupo,
criado pelo homem, deverá contornar para não ser despedaçado”.
Em certos casos o
patriotismo, isto é, a lealdade de cada individuo à sua unidade social, para
proporcionar a coesão necessária, mas na maioria das comunidades primitivas os laços
de patriotismo são tao reforçados por sanções sobrenaturais que muitas vezes
não se sabe onde acaba o patriotismo e onde começa a religião ( TITIEV,
1959:290).
Entrando em contacto com o
mundo do sobrenatural.
(…) O mundo misterioso do sobrenatural não pode ficar fora da
esfera da existência ordinária, e é pelo contrário trazido para o âmbito da
vida terrena. Este facto dá-se através da crença de que algumas pessoas,
geralmente as foram designadas como sacerdotes, são capazes de entrarem em
contacto com o outro mundo. As comunicações podem estabelecer-se em qualquer
das direções. (op.cit:299).
As mensagens são por vezes enviadas de uma
unidade social para o domínio do sobrenatural, mas outras vezes é o outro mundo
que manda directivas aos membros de uma sociedade viva. Em qualquer dos casos
geralmente acontece que os sacerdotes, ou outros indivíduos dotados de «Mana»
servem como intermediários entre as pessoas comuns e as instâncias
sobrenaturais. (op.cit:299).
As orações feitas pela
Rainha Filomena.
A linguagem comum,
frequentemente na forma fixa da oração, é a maneira mais simples e usual para
mandar uma mensagem deste mundo. As orações são normalmente dirigidas a um
determinado objecto ou local onde se pensa que os seres sobrenaturais residem;
podem ser acompanhadas por determinados gestos ou posições, e podem ser
rematadas com algum artificio, tal como o toque de uma camapinha ou sino, com o
intuito de atrair a atenção do poder a quem é dirigida a mensagem. As cancões
podem substituir as preces faladas e podem ser completadas com danças. As
procissões e as representações religiosas são por vezes pouco mais do que
formas complexas de enviar mensagens para o outro mundo. (op.cit:300).
O SIGNIFIFICADO DAS ORAÇÕES
FEITAS ATRAVÉS DA RAINHA, PELO MONTE.
A maioria das orações
contem pedidos de orientação ou auxílio. Está implícito um sentimento de que as
instâncias sobrenaturais podem, se o desejarem, auxiliar os homens e as
mulheres vivos a conseguir aquilo que mais desejam. Essas crenças são tao
fortes que se acredita frequentemente que as pessoas podem obter o que desejam
se actuarem com conformidade com os desejos do sobrenatural. Deste modo
torna-se necessário interpretar correctamente quaisquer mensagens que o outro
mundo queira enviar para este. Só se actuarem conforme os desejos expressos
sobrenaturalmente é que as pessoas se sentem seguras de obter o apoio
sobrenatural para as suas necessidades. (TITIEV, 1959:300).
Uma vez mais vemos a
importância do «Mana», pois é este quem serve de meio de comunicação entre os
dois mundos. As coisas que tem «Mana» são mais capazes de transmitir mensagens
do sobrenatural e julga-se que as pessoas com a mesma qualidade estão mais
aptas a servirem de interpretes.
Todos os esforços
primitivos no sentido de determinar o desejo do sobrenatural são geralmente
denominados em conjunto como «ciências mânticas», isto é, as «ciências» da
profecia ou esforços para saber de antemão quais são os tipos de comportamento
que os deuses esperam dos homens e estão dispostos a apoiar. Tais esforços
podem ser agrupados em duas categorias. Num dos casos, que podemos chamar «espontâneo»,
o outro mundo toma a iniciativa, e o homem apenas necessita saber interpretar
convenientemente quaisquer sinais enviado; nas outras ocasiões procura-se
aquilo a que se pode chamar mensagens dirigidas, como acontece quando os
seres humanos deliberadamente arranjam condições para servirem de teste e pedem
ao outro mundo para tornar os seus desejos conhecidos de uma determinada
maneira. (TITIEV, 1959:300).
As mensagens espontâneas
podem tornar formas tais como repentino ribombar de trovoes, erupções
vulcânicas, sonhos inesperados, contorções descontroladas do corpo ou espirros,
comportamento estranho da parte de um animal, ou a forma assumida pelas folhas
deixadas no fundo de uma chávena de chá. As mensagens dirigidas podem ser recebidas
quando as pessoas deliberadamente procuram visões, ou quando os órgãos ou o
estrebuchar de animais propositadamente mortos são cuidadosamente observados,
ou se os ossos, galhos ou pedras são deitados com o intuito de que as formas
segundo as quais o sobrenatural as faça cair possam determinar o que se deve
fazer. (op.cit:300).
OS RITUAIS DE CURA.
Nenhuma sociedade pode
persistir na terra se todos os seus membros forem subitamente levados pela
morte ou por qualquer outra causa. Na verdade, as crenças firmadas na
continuidade da existência da alma num outro mundo podem atenuar o impacto da
morte, mas as convicções deste tipo nunca são suficientes para tornar as
pessoas completamente indiferentes aos seus efeitos. Sem excepcao, todas as
sociedades fazem um esforço no sentido de manter a morte afastada dos
indivíduos o mais possível. No mundo primitivo, estes esforços são normalmente
desenvolvidos pelos feiticeiros (curandeiros) ou, como são frequente, mas um
tanto indevidamente denominados, Chamanes. (TITIEV, 1959:301).
Um feiticeiro pode ser
definido como um individuo de qualquer idade, de ambos os sexos que use o poder
de «Mana» para fins anti-sociais. Assim ele causa a doença e a morte, faz com
que as colheitas sejam más, diminui a caça, ou traz mau tempo. Para se tentar
saber por que é que o feiticeiro é por vezes bem-sucedido temos que relembrar
que o «mana» em si é neutro. Isto ilustra o conceito de que o «mana» pode ser
manipulado quer para fortalecer a sociedade quer para enfraquecer. É este o papel
do Chamane. Em muitos casos pensa-se que os feiticeiros, quando chegam ao ponto
de causar doenças e morte, tem o poder de enviar substâncias estranhas
causadoras da doença do corpo da sua futura vítima. (TITIEV, 1959:302).
Onde prevalecem crenças
deste tipo um Chamane é frequentemente chamado para remover do corpo do
paciente os objectos maléficos. Segue-se então uma espécie de combate entre o
feiticeiro e o curandeiro, e este último consegue dispor de mais «Mana», o paciente cura-se. Os
fracassos são atribuídos ao facto de a força do mal ser demasiado forte para o
poder do bem a poder superar. (op.cit:302).
Voltando à predominância
das crenças feiticistas, há pelo menos duas formas pelas quais estas podem
contribuir para a coesão de uma sociedade. Por vezes, quando a cultura de um
grupo proíbe a agressão, o ódio aos feiticeiros constitui um escape socialmente
sancionado para as tendências agressivas. Outras vezes, quando surge um
desastre as pessoas não culpam os chefes nem os deuses, nem se culpam umas às
outras, fazem pelo contrário recair toda a culpa sobre os feiticeiros. No
entanto os que dentre eles se tornaram suspeitos não são sempre punidos. Há
frequentemente um receio geral de que os feiticeiros tornem as coisas muito
piores se as suas vítimas lhes mostrarem franca hostilidade. Graças a tais crenças,
mesmo as noções de feitiçaria podem servir para manter uma sociedade firmemente
coesa. (TITIEV, 1959:303).
RITOS CALENDARICOS E MAGIA
(RITOS DE MOMENTOS DIFICEIS).
Por calendários
entendem-se todas as práticas baseadas numa crença no sobrenatural, que se
realizam regularmente, com intervalos estabelecidos independemente de haver ou
não uma necessidade imediata de auxílio sobrenatural. Os ritos calendários tem
de ser realizados em determinada altura, e a sua periodicidade pode ser
programada com grande antecedência. Normalmente considera-se que trazem
qualquer benefício geral para todos os indivíduos, dentro de uma sociedade. Por
conseguinte, até certo ponto, as cerimónias calendaricas tem sempre uma
«igreja» e aproximam-se mais dos conceitos da religião há muito estabelecidos,
do que dos conceitos da magia. (TITIEV 1959:307),
Os ritos de momentos
críticos.
Implicam apelos ao auxílio
sobrenatural para superar uma dificuldade presente. Normalmente não podem, pela
sua própria natureza, realizar-se a intervalos pré-estabelecidos, como também
nem sempre podem ser programados ao futuro longínquo. Além disso, visto que não
é provável, embora não seja de todo impossível, que todos os membros de uma sociedade
tenham que fazer face a dificuldades no mesmo momento exacto, os ritos dos
momentos difíceis não terão necessariamente uma igreja e por isso coincidem, em
alguns pontos, com definições anteriores de «magia». Contudo nalgumas ocasiões,
como no caso de uma seca geral, os ritos de momentos críticos podem realizar-se
para benefício de todo um grupo. (op.cit:308).
Calendários Cerimoniais.
Nunca se deve pensar que
os ritos calendários, em virtude de se realizarem independentemente das
necessidades do momento, são apenas de importância secundaria ou menor. Longe
disso. Habitualmente considera-se que fortalecem os laços de coesão que unem todos
os membros de uma sociedade, ou ainda que contribuam para que a sociedade se
adapte ao seu ambiente externo. São comuns e universais as cerimónias para
aumentar a provisão de viveres e de matérias primas, para o controle do tempo atmosférico
e para proteção contra calamidades naturais. Neste sentido as actividades
religiosas podem definir-se como meios não empíricos de atingir fins empíricos.
(TITIEV, 1959:308).
Nenhuma sociedade espera
que tais crises surjam realmente para realizar os rituais colectivos que
considera benéficos para o conjunto da unidade social. Em tais casos, as
actividades religiosas tem sempre lugar em datas fixadas, e são reguladas por
um calendário cerimonial. Mesmo os povos não letrados podem ter processos de
marcar o decurso do ano. Os mais simples de todos são os meios que envolvem a
observação do nascer do sol todos os dias num determinado lugar, referindo o
movimento aparente do sol no sentido norte-sul e marcando os solstícios ou
pontos de viragem que ocorrem anualmente por volta de 21 de junho e 21 de
Dezembro ao norte do equador. Durante cerca de seis meses em cada ano, a
começar em 21 de Junho, o Sol parece nascer um pouco mais ao sul todas as
manhas, e durante os restantes seis meses cada nascer do sol parece ter lugar
mais ao norte. (op.cit:309).
Os
calendários religiosos nunca se limitam unicamente ao reconhecimento e
celebração dos solstícios. As práticas celebradas todos os anos em datas fixas
podem realizar-se em qualquer estacão, especialmente quando há um período mais
calmo nas actividades económicas, mas a só nas sociedades bem integradas e
funcionando de forma activa é que as cerimónias anuais se celebram
sistematicamente. (op.cit:309).
Os etnólogos tem
verificado muitas vezes que quando uma tribo negligencia o seu calendário
cerimonial está também a abandonar a sua antiga forma de vida. A incapacidade
de manter regularmente praticas religiosas recorrentes e a incapacidade de
manter um padrão tradicional de cultura estão directamente relacionadas. Quer
as pessoas estejam ou não conscientes disso, é o seu sistema de crenças
sobrenaturais que dá à sociedade grande parte da sua continuidade, coesão e
estabilidade. (TITIEV, 1959:309-310).
Várias sociedades
primitivas celebram toda uma serie de ritos para momentos difíceis quase com a
mesma regularidade com que celebram os rituais calendáricos. Estes dizem
respeito ao bem-estar dos indivíduos e às respectivas relações com as suas
unidades sociais (…) De acordo com Van Gennep, cada uma delas representa um
ponto critico que requer auxílio sobrenatural se se quer transitar de um modo
seguro e conveniente de uma fase da vida para a seguinte. Van Gennep denominou
as práticas religiosas apropriadas para esse fim de ritos de passagem, e, de
uma maneira ou de outra, é provável que se encontrem em todas as sociedades.
(TITIEV, 1959:312).
Segundo GONÇALVES
(1992:169), “Os processos simbólicos e míticos assumem importância
fundamental na exteriorização das práticas sociais ritualizadas, referentes ao
saber e ao saber fazer de qualquer cultura e sociedade”.
As metáforas e os símbolos
de transmissão e da perpetuação do poder, as encenações do poder e as «liturgias» nas sociedades modernas, os
conteúdos simbólicos do processo politico
nos ritos de soberania das sociedades tradicionais, os ritos de
passagem e os rituais de iniciação, os
rituais cíclicos da vida individual ou
os rituais calendarizados e sazonais constituem processos essenciais da teatralização
da vida colectiva e rituais por excelência da comunicação politica nas
sociedades tradicionais e rurais, como nas modernas sociedades tecnológicas.
(GONÇALVES, 1992:169).
As modalidades praticas de
simbolização dos rituais sociais foram em qualquer cultura objecto de numerosas
descrições e interpretações antropológicas; mais ainda, os rituais sociais, os
mitos e as simbólicas constituíram os conteúdos privilegiados da antropologia.
Passada a fase do fascínio pelos rituais exóticos e sagrados das culturas ditas
«primitivas», em ruptura com a racionalidade, a logica, a objectividade e a
eficácia técnica, assistimos hoje à multiplicação de analises de processos de
secularização do espectáculos politico, das festividades cíclicas dos
movimentos ecologistas ou de movimentos regionais ou locais que, reagindo
contra uma planificação tecnicista e burocrática, pretendem afirmar a
especificidade das identidades regionais num contexto da modernidade. (GONÇALVES,
1992:169-170).
Os ritos sociais tem
sempre um sentido para os que os praticam e para os analistas e, por isso, são
aberrantes. Este é alias os objectivos dos rituais: Produzir sentido, a partir
de incoerências vividas no plano pessoal e plano social ou seja dar coerências
à convivência do imediato como incoerente.
Uma outra característica
dos rituais sociais consiste no facto de que as mensagens por eles veiculadas
estarem associadas, por natureza, a manifestações sagradas e valores místicos e
essenciais da comunidade ou da sociedade. A par da codificação da actividade
social, através de actos que pontuam certos momentos da actividade privada ou
publica, considera-se importante a simbolização das sucessões das palavras e
dos actos no contexto da matriz cultural de sociedades onde predomina a
imbricação do poder e das práticas religiosas e sagradas ou, ao contrário, a
secularização e a dissociação do poder. Daqui resulta o aspecto da estrutura
dramática do ritual de separação que circula à volta do ritual de reclusão e
que termina com o ritual da reintegração. (GONÇALVES, 1992:171).
Os rituais calendarizados
ou sazonais, ao contrário, referem-se a toda a colectividade ou, pelo menos, a
grupos numerosos. Estão ligados, normalmente ao ciclo anual da produção, quer
pela passagem da escassez à abundância, como por exemplo, as festas das
primícias ou das colheitas, quer ao contrário, pela antecipação das privações e
da raridade. Estes ritos de passagem que acompanham a mudança da natureza
colectiva de um estado a outro, não diferem, nos seus processos de
simbolização, dos rituais guerreiros e dos rituais de inversão dos efeitos da
fome, da sede ou da peste. (GONÇALVES, 1992:173).
Na afirmação desta logica
do sensível, as romarias e as peregrinações procuram resolver problemas
específicos, produzir novas simbolizações e significações adequadas e coerentes
para as incoerências vividas no plano pessoal, como a morte, ou no plano
social, como a injustiça ou o mal em geral, ou ainda os problemas imediatos e
pragmáticos. Os rituais que as reactualizam e rememoram, embora circunstanciais
e ocasionais, são recorrentes, por exemplo, em caso de doença, de exames, de
obtenção de emprego, êxito ou parto ou em qualquer iniciativa, por vezes banal.
(GONÇALVES, 1992:178).
Para GONCALVES (1992:1790,
A simbolização opera-se por meio dum processo de troca mútua entre o pedido e a
promessa ou o voto: obtida a «graça», cumpre-se o voto, numa espécie de
contrato bilateral. A relação com o sagrado e o divino é, assim, delimitada no
tempo e no seu objecto
Estes rituais tomam corpo
em sociabilidades concretas, estruturando-as e enraizando-as no meio ambiente.
Por isso mesmo, as festividades cíclicas da aldeia ou região confundem-se
sempre com estes rituais religiosos que vem ritmar as actividades locais. A
identidade das primeiras está ligada à identidade das festas religiosas e
vice-versa. A igreja ou o santuário constituem o lugar privilegiado da
«convivialidade», entendida como a reunião social e simbólica da colectividade
e com o espaço da reafirmação da sua unidade. (GONCALVES, 1992:178)
Segundo MARTINEZ
(2014:166), mas é no rito, nos ritos socioculturais que devemos estudar os
símbolos. É necessário conhecermos o contexto cultural e ritual sobre o qual se
apoia o símbolo, pois o símbolo como fenómeno é universal, mas difere de
cultura para cultura e de época para época. Por isso o símbolo constitui um
elemento essencial para a compreensão das transformações culturais.
Dinâmica do processo
ritual.
O símbolo não existe na a natureza,
ele é criação do homem; exige participação e distanciamento, ao mesmo tempo;
traz consigo surpresas e imprevistos no seu reaparecer constante, pelo que
exclui a atitude de simples expectador; desencadeia sempre emoções novas (toca
a emotividade); possui eficácia dentro da comunicação ritual em que age;
estabelece relações entre dois mundos aparentemente opostos; possui um
significado e um significante. (MARTINEZ, 2014:167).
O rito elabora as
diferentes passagens da vida e supera as tensões traumáticas de cada uma delas.
O rito guia-conduz-o processo (a passagem) de uma fase do ciclo vital a outra;
é o intermediário ou o elo de união entre as várias fases da vida.
Os ritos são muitos e
variados; variam em relação à mediação estrutural, à função colectiva e à
função individual, segundo os próprios contextos culturais. A complexidade e o
dinamismo rumo à unidade e harmonia são característicos do sistema ritual.
E o próprio símbolo ritual
tem uma estrutura e uma função dinâmicas. É necessário situar o símbolo no
tríplice contexto: cultural, ritual e operativo. (MARTINEZ, 2014:167).
GRAUS DO COMPORTAMENTO
HUMANO.
No estudo do mundo dos símbolos
e dos processos rituais é necessário ter em conta os diversos graus do
comportamento humano.
Comportamento técnico:
Trata-se do comportamento que tende a certos fins bem determinados e que, julgado
pelos nossos critérios de avaliação, produz resultados de um modo estritamente
mecânico. É o comportamento normal entre as pessoas, sem necessidade de mais
interpretações para o compreender. (MARTINEZ, 2014:168).
Comportamento
comunicativo: é o comportamento que faz parte de um sistema de sinais e
funciona para comunicar entre os membros de uma sociedade, transmitindo através
de um código de comunicação culturalmente definido. Quem não conhecer o código
não está em condições de receber e compreender a comunicação. (op.cit:168).
Comportamento ritual:
Trata-se do comportamento que é potente em si mesmo nos termos da cultura dos
agentes. Este comportamento é dirigido à evocação dos valores mais íntimos, do
mundo espiritual, das experiências místicas. Sem uma seria iniciação no conhecimento
dos códigos interpretativos é impossível compreender as suas mensagens e
atingir os seus significados. (op.cit:168).
OS POLOS DO SIMBOLO.
No símbolo encontramos
duas dimensões que podemos chamar polos: a) um polo natural, que nos é dado
pela natureza e cujo significado está unido à forma exterior. Damos-lhe de polo
fisiológico; b) e polo cognitivo e normativo, que é dado pela cultura, e que
chamamos polo ideológico (normas morais, valores, estruturas e ideias).
(MARTINEZ, 2014:169).
A ritualização acontece
quando estes dois polos se encontram juntos, unidos num determinado símbolo ou
símbolos usados num rito.
Os símbolos encontram-se
no contexto literário amplo que inclui a formas tao variadas como a
poesia, os provérbios, os enigmas, as narrações históricas, as histórias,
lendas e outras. Os símbolos também estão relacionados com as mitologias,
especialmente com as mitologias das origens (do homem, dos animais e de todo o
cosmo) às quais se fazem referência directa ou indiretamente nos ritos. (MARTINEZ,
2014:170).
Significados no contexto.
Em todo o processo ritual
o que o observador deve procurar são os significados do rito que se realizam e
a compreensão de todo o processo. Nos comportamentos técnico e comunicativo, a acção
é compreensível directamente. O que não acontece no comportamento ritual, pois
neste está tudo em linguagem decifrada que é necessário decifrar, para poder
captar o significado. (op.cit:172).
a) É necessário analisar o rito no contexto global da
cultura, isto é, conhecer a cultura a que pertence rito e os factores
fundamentais (geográficos, sociais, políticos, religiosos, históricos);
b) Deverão analisar-se os elementos que constituem o rito,
decifrar tudo o que estiver codificado para tornar compreensiva a sua
linguagem, e considerar a sua relação com os restantes ritos da cultura a que
pertence;
c) Em terceiro lugar, se deve viver o rito, participando na
sua celebração, para captar e compartilhar os sentimentos próprios. Uma coisa é
a análise detalhada de um rito, isto é, o conhecimento teórico do rito; outra
coisa diferente é a própria participação na celebração do rito, a vivencia do
rito.
Aspectos ritualísticos.
a) Aspecto instrumental: Se trata daquelas partes do rito
que significam simplesmente aquilo que à primeira vista e na linguagem comum
indicam, tudo o se usa no rito e as ações não simbólicas. Por exemplo: O uso de
uma mesa para pôr objectos do culto, ou de assentos para sentar-se, de uma luz
para poder iluminar o local, e de mais outros. Nem tudo o que se usa no rito
tem valor simbólico. (MARTINEZ, 2014:172).
O rito tem uma estrutura
complexa na qual podemos distinguir várias partes componentes dos mesmos:
a) Uma componente simbólica, composta de coisas se usam no rito (os objectos para a
realização do rito, o material para as ofertas, o vestuário litúrgico, e outros
utensílios); as coisas que se dizem no rito (os textos escritos ou orais, as
formulas, as orações, as invocações e outras expressões); e as coisas
representadas no rito (as acções, os gestos e as cerimonias em geral).
(MARTINEZ, 2014:174).
b) Uma outra componente que podemos chamar de papéis
ou
funções, onde cada um dos agentes dos ritos participa segundo o seu status com
determinadas funções que lhes são próprias; o presidente, outras pessoas que
tem um papel activo, os ajudantes das cerimónias e os restantes participantes.
c) Uma estrutura télica
que
contem os objectivos do rito, pois cada rito é realizado com uma determinada
finalidade. A diversidade de ritos implica a diversidade de objectivos: ritos
de cura, ritos funerários, ritos de reconciliação.
d) A estrutura de valores.
Nos ritos estão presentes,
de facto determinados valores culturais, o credo de um povo, os valores éticos
e certas mensagens que o próprio rito transmite. São os valores que configuram
um determinado povo.
O
significado dos ritos.
Segundo
MARTINEZ (2014:175), O significado de um rito encontra-se a três níveis ou
planos diferentes.
a) Manifesto:
Há um significado claro, que se manifesta ao observador e
ao próprio sujeito do rito na primeira abordagem. O sujeito do rito é
plenamente consciente dos significados dos ritos que faz.
b) Latente:
Há significados que exigem
uma particular atenção para serem dectados. Neste caso, os significados são
apenas marginalmente conscientes, mas podem tornar-se plenamente conscientes
através de uma ação reflexiva mais atenta.
c) Escondido
A um nível muito mais
profundo estão os significados do rito que são ignorados pela maioria dos
agentes do rito. São significados que permanecem como que escondidos para a
maioria dos sujeitos. É muito difícil conhecer estes significados que
normalmente se referem a experiências fundamentais comuns às pessoas. Outros
estão ligados a processos biológicos.
Esquema dos mitos.
O significado local atribuído aos ritos em geral e a
determinado rito em particular
|
Local
|
Significado do rito segundo
o lugar que ocupa em relação à totalidade dos elementos culturais e de todas
as instituições da sociedade.
|
Posicional
|
Operacional
|
|
O significado
considerado no contexto cerimonial do mesmo rito na sua celebração.
|
Fonte: MARTINEZ, (2014:175).
Segundo MARTINEZ
(2014:176) Em ordem ao conhecimento dos significados aos ritos é necessário
dar os seguintes passos:
a) Exegese Local: A explicação que os membros de um
determinado grupo cultural dão sobre os ritos que celebram. Trata-se dos
significados que o próprio povo atribui aos seus ritos.
b) Posicional: O rito ocupa um lugar no conjunto da cultura
de um povo. É necessário conhecer essa posição cultural do rito e seu inerente
significado. É necessário referir-se à totalidade dos elementos culturais e das
instituições sociais a que pertence o rito em questão. Por exemplo: O pão como
um alimento normal; o pão como alimento base; o pão como alimento espiritual
c) Operacional: No terceiro Momento é necessário saber como
são utilizados de facto os símbolos na realização de um rito, isto é, no
contexto cerimonioso em acto. O que é se faz durante o rito? Como são usados os
símbolos? Que relação cerimoniosa há com os outros símbolos?
Segundo
MARTINEZ (2014:176), “Com estes três elementos procura-se descobrir o código
cultural do rito. É como aprender uma língua falada na escrita e mais tarde
descobrir a sua gramática”.
Funções.
Há
funções que podemos caracterizar como essencialistas, isto é funções que tem
como objectivo a identidade e a consistência da sociedade, e outras que podemos
classificar como funcionalistas: a) Função transcendental cujo objectivo é
vincular o homem ao mundo transcendental, ao ser supremo considerado como
consistência de todo o cosmos (manancial e consistência do ciclo vital.
(MARTINEZ, 2014:192-193).
b) Função integradora, o seu objectivo é o de manter o grupo
social unido através da sua identidade cultural.
c) Função ética, cuja finalidade é a de manter normas morais
uniformes da sociedade e, como afirma M.A. Marconi, tende a interpenetrar todo
o comportamento importante e valorizado e liga-se aos diferentes sectores da
vida.
d) Função Psicológica, com o objectivo de manter o equilibi2
A TIPOLOGIA DOS RITOS
PRATICADOS NO MONTE CHINHAMAPERE.
Ritos de protecção:
Defender.
São ritos que acompanham
diversos acontecimentos da vida e realizam-se com a finalidade de obter boa
sorte, alcançar protecção das diversas circunstâncias da vida e obter um
bem-estar físico e moral e defender-se dos perigos e inclemências. São os ritos
que se realizam por motivo de caca, de uma viagem, na inauguração de uma aldeia
ou residência e outras situações semelhantes. (MARTINEZ, 2014;180).
Em qualquer classe de
ritos, dão-se sempre os três passos ou fases fundamentais tais como:
a) separação, transição (liminar idade, anti-estrutura,
comunitas) e incorporação.
Significado sociocultural
das formas de práticas ritualísticas.
Entre as formas do ritual
distinguimos especialmente as orações, as oferendas e outras manifestações. As
orações compreendem silêncios, palavras, gestos. As oferendas são feitas
através dos sacrifícios próprios de cada sociedade, cuja natureza está ligada
ao tipo de cultura do povo silvestre, pastoril, agrária, técnica. (MARTINEZ,
2014:192).
Participantes, especialistas,
presidente.
Os sacrifícios, quanto à
participação, podem ser individuais, com um cerimonial muito reduzido, e
colectivos que, por sua vez, podemos dividir em familiares e sociais. Em todas
as sociedades há pessoas especializadas nos diferentes ritos a que a sociedade
entrega a responsabilidade de organizar e realizar os ritos e que podemos
considerar justamente como oficiantes. Podem ser ocasionais ou/e profissionais,
segundo as sociedades e os ritos em questão. As sociedades também estabelecem
quem é que pode presidir a um determinado rito e as modalidades de presidência.
Lugares, tempo e
material.
Alguns ritos exigem um
espaco apropriado para a sua realização. Para este fim existem lugares
sagrados, que variam de povo para povo: a própria floresta, ao pé de uma
determinada arvore, os rios, as lagoas, as montanhas ou outros lugares idóneos
e edifícios sagrados. Há tempos estabelecidos para realizar certos ritos e
tempos em que não se podem realizar. Há ritos em que nada está estabelecido.
Cada cultura estabelece o tempo mais apropriado, de Manha, de Tarde, à noite;
no tempo frio, no tempo quente, no tempo das chuvas, ao princípio do ano, e
qualquer outro tempo que for estabelecido. Quanto ao material usado na
realização dos ritos há grande variedade, segundo cada sociedade. (MARTINEZ,
2014:192).
BIBLIOGRAFIA.
GONÇALVES, Custódio. Questões
de Antropologia social e cultural. Porto, 2ª edição, edições afrontamentos,
Biblioteca das ciências do Homem, 1992.
[1] Desdério José Supeia, estudante de História e
Documentação, Monitor e pesquisador social na Universidade Licungo-Beira-Curso de Historia.
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