Pesquisa em
torno dos assimilados na cidade da Beira e o
Historial da cidade da Beira.
Desdério José Supeia.
Trabalho realizado no âmbito da cadeira de História de Moçambique do século
XVI-XVIII.
Universidade Pedagógica
Beira
2018
Capítulo I: Introdução.
O presente trabalho
de campo da cadeira de História de Moçambique do Século XVI-XVIII vai abordar
acerca dos assimilados da cidade da Beira desde o período colonial, o trabalho
também traz dados concretos acerca do Historial da grande cidade da Beira, tendo
em conta que os conjuntos históricos urbanos no seu
todo adquiriram, desde a última metade do século
XX, um estatuto importante na cultura e na vida das sociedades modernas dado o valor histórico e
arquitectónico atribuído ao seu património edificado. Devido ao seu valor patrimonial,
os conjuntos históricos da cidade da Beira constituem actualmente ícones do turismo cultural a nível mundial
sendo que uma das preocupações das entidades responsáveis pelo património cultural tem
sido a adopção de estratégias para a protecção e promoção destes conjuntos.
1.2 Objectivo geral.
Ø Analisar o historial da cidade da Beira e o
estatuto dos assimilados.
1.2.1 Objectivos
específicos.
Ø Documentar os principais elementos patrimoniais do conjunto da
cidade da Beira; Avaliar o significado cultural; Analisar o Historial da cidade da
Beira e a origem de algumas instituições frequentadas pelos assimilados.
1.1.3 Metodologias.
O trabalho contemplou duas componentes distintas. A primeira componente correspondeu
ao trabalho de campo, que consistiu na recolha de dados por meio de entrevistas e através da
observação directa. Orientadas por um guião com as principais questões da pesquisa
e a segunda componente centrou-se na pesquisa bibliográfica e documental em instituições
que dispõe dos materiais para a temática em estudo bem como artigos publicados
em revistas científicas disponíveis na
Internet e as entrevistas foram semiestruturadas. A pesquisa bibliográfica teve como principais
focos: a Delegação Provincial de Sofala do Instituto de Investigação
Sociocultural (ARPAC-Sofala), e a Biblioteca municipal da cidade da Beira[1]
2.1-DADOS PESSOAIS DOS
ENTREVISTADOS:
APELIDO: Hassane
NOME: Gulamo
NATURALIDADE: Beira
NACIONALIDAE: Moçambicana
DATA DE NASCIMENTO: 15 de Agosto de 1939
MORADA: Macurungo
RAÇA: Misto
ESTADO CIVIL: Casado
CONTACTO: 846694242
2.1.1 Análise dos dados
recolhidos do questionário dirigido aos entrevistados.
1.
Hoje
em dia tem se falado muito acerca do modus vivendu dos Assimilados, como forma
de fazer conhecer a história as novas gerações. Quando e como Adquiriu o
estatuto de uma pessoa assimilada?
Obtive o estatuto de assimilado graças ao meu pai que foi
um trabalhador dos colonos portugueses registrou-me e passei a ser um cidadão
português. Ser assimilado significou afastar-se de nossos parentes que não
tinham os mesmos privilégios que nós. Os assimilados seriam os
indivíduos que, por viverem nas cidades, estariam já dando mostras de uma forma de vida mais próxima à portuguesa:
no uso da língua, na aceitação da vida cristã, na assunção do trabalho diário
como forma de sustentar a família e na obediência às leis do governo, como as
que se referem ao pagamento de impostos, ao serviço militar.
2.
Durante
a sua actividade como Assimilado, como lidou com as questões ligadas ou
relacionadas a educação, tendo em conta a escola que frequentava?
Antes
de falar como me relacionei com a escola ou com o ensino fornecido e
estabelecido por parte dos portugueses, era um ensino que nas cidades era
considerado como elementar e nos distritos era considerado como rudimentar e a
maioria da população estudava até a 4a Classe e não era fácil
ingressar no ensino secundário. Frequentei a Escola do Liceu Pêro de Anaia, e o
ensino secundário e o governo colonial dizia que o indígena não podia estudar
muito sob o risco de abrir os olhos e apunhalar os que o educavam e os que o
dão um ensino digno. A Relação com a escola foi boa, visto que estava ali para
aprender e obter conhecimento e ser educado de acordo os princípios
portugueses, visto que, frequentava o liceu aproveitei de tudo o que foi bom.
3.
Quais
eram os reais e prestigiáveis benefícios fornecidos pela escola que frequentava
e será que o agradavam?
Bem,
pelo simples facto de adquirir o cartão de assimilação já frequentávamos o
ensino liceal, e pelo simples facto de se inscreveres na caixa escolar já era
uma vantagem grandiosa. O ensino era diferente a dos Indígenas. Tínhamos
bastantes momentos agradáveis e de lazer, ficávamos bastante felizes com os
lanches fornecidos pelo liceu, bem como o transporte que favorecia a nossa
circulação para a casa e aprendíamos a história portuguesa.
4.
Noto
que realmente as escolas de algum modo auxiliava-vos bastante, mas onde ela
localizava-se?
O
liceu Pêro de Anaia situava-se no bairro do Matacuane-cidade da Beira onde fiz
a 4ª Classe. Se me recordo foi um projecto de antigos arquitectos como Lucínio
Cruz e Eurico Pinto Lopes. Pelo que contaram-me foi inaugurada em
aproximadamente 1959. Actualmente é a Escola Secundária Samora-Machel da Beira.
5.
Como
ocorria o acesso de outros serviços como transporte, a saúde e a educação?
O
assimilado nos transportes urbanos ocupava os lugares da frente e os indígenas
não assimilados ocupavam os lugares de trás e existiam centros hospitalares
somente para os assimilados, no Macuti existia uma enfermaria somente para os
indígenas assimilados, portugueses e Mulatos e quem era considerado de africano
eram os mestiços e existia o hospital indígena somente para negros considerados
como não civilizados. Também frequentávamos o hospital Europeu, actualmente
localizado ao redor da Baixa da cidade. Às empresas, escolas
e aos serviços de saúde ao mesmo tempo, tinham uma relação próxima com as formas “tradicionais”, dos
usos e costumes locais: frequentávamos os médicos tradicionais, os chamados curandeiros; aceitávamos
o casamento por dote, o lobolo; falávamos as línguas indígenas ao mesmo tempo que o
português. Acrescento ainda que a eletricidade de Moçambique a motor estava
situada na Baixa e outra estava localizada no Bairro da Manga. O comboio era a
lenha ou a carvão.
6.
Quais
são os locais da cidade da Beira por onde os transportes circulavam com
frequência.
Havia
transportes que circulavam da baixa até a praça da índia e rondava até na
muralha e nenhum negro entrava, os indígenas não assimilados entravam em
transportes que saiam da baixa até a passagem de nível e nenhum não assimilado
circulava no bairro da ponta-gêa.
7.
Para
além da Educação e o trabalho árduo obviamente existia divertimento ou uma
actividade agradável praticada no momento de descanso ou de entretenimento como
forma de aliviar a mente e criar o bem-estar. Gostaria de saber quais são?
Nos
momentos livres praticávamos desportos, viajávamos para Europa, distraia-se
fazendo cálculos, lendo pois estava preocupado em conquistar ainda mais a
amizade com o português. Frequentava o cinema Lex e o cinema São de Jorge.
8.
Como
Sentiam-se após transformarem-se em assimilados e como conseguiam lidar com o
estatuto de um assimilado?
Nós
os negros assimilados fomos uma classe social considerados como ex
escriturários, policias e motoristas dos machibombos e tínhamos uma
identificação que garantia que somos assimilados e diferenciávamo-nos de vários
pretos. Assim, a condição de assimilado seria a fase intermédia através da qual um indivíduo africano
transitava da condição de indígena à de cidadão. Essa
fase intermédia era obrigatória para todos os
africanos, mas na lógica da lei, os filhos de assimilado já seriam cidadãos plenos, por considerar-se que no processo evolutivo da civilização não
havia volta.
9.
Como
assimilados em que locais trabalhavam?
Trabalhávamos nas fazendas, na companhia do Búzi que foi criada em 1898,
que antigamente era conhecida como Nova
Lousitana. Operávamos na
administração e nos Caminhos-de-Ferro de Moçambique, bem como no porto, e
pagávamos impostos que correspondia cerca de 20 escudos.
APELIDO: José
NOME:
Noé
NATURALIDADE: Sofala-Beira
NACIONALIDAE: Moçambicana
DATA DE NASCIMENTO: 12 de Março de 1947
RAÇA: Negra
Morada: Rua 810- Macurungo, casa 188.
ESTADO CIVIL: Solteiro
CONTACTO: 844220940
1.
Hoje
em dia tem se falado muito acerca do modus vivendus dos Assimilados, como forma
de fazer conhecer a histórias a novas gerações. Quando e como Adquiriu o
estatuto de uma pessoa assimilada?
Nasci
como assimilado porque o meu pai já o era, foi no hospital dos Assimilados
Conhecido como o Hospital Europeu. O meu pai foi um trabalhador de um mainato e
após a sua morte visto que, era diferente de outros indígenas já sabia ler e
escrever e adquiri o Bilhete de Identidade designado como Bilhete de identidade
da província Ultramarina. Sob o controle da República portuguesa, enquanto o
indígena tinha a caderneta de 16 folhas. Eramos considerados como pretos
civilizados, e expressar correctamente a língua portuguesa não era fácil. Ser
assimilado significou aceitar a subjugação dos portugueses sem rebelar-se isto
é, assumir os dotes portugueses, e fomos considerados como indígenas
portugueses.
2.
Durante
a sua actividade como assimilado, como lidou com as questões ligadas ou relacionadas
a educação, tendo em conta a escola que frequentava e onde se localizava?
3.
Frequentava
o colégio irmãos Maristas. Que situava-se no Macuti, ao redor da actual Universidade
Católica de Moçambique.
4.
Quais
eram os reais e prestigiáveis benefícios fornecidos pela escola que frequentava
e será que o agradavam?
O
benefício era a classe, e tornávamo-nos diferentes dos indígenas não
assimilados. No liceu irmãos maristas bem como em outros colégios em que frequentávamos
davam lanches, tínhamos relação com estudantes de diferentes locais caso
realizássemos alguma expedição para outros locais como a Rodésia, passávamos
também a ser dactilográficos, intérprete da administração, continos e em alguns
casos existiam indígenas não assimilados com 4a Classe tornavam-se
motoristas de Machibombos. Caso soubesse ler e escrever correctamente.
5.
Como
ocorria o acesso de outros serviços como transporte, a saúde e a educação?
Os
assimilados frequentavam o hospital europeu e existia os hospitais destinados
somente para os indígenas, e alguns deles acabavam dando parto em casa porque a
distância para o centro de saúde era longa. Maior parte dos indígenas não
assimilados frequentavam escolas pertencentes a missões católicas. E todos os
assimilados frequentavam colégios, liceus e tinham uma educação distinta a dos
indígenas com caderneta de identificação de 16 folhas. Todos sem distinção de
raça tinham acesso ao transporte, mas existiam alguns autocarros que os não
assimilados não podiam entrar bem como não circulavam em maior parte dos
bairros.
6.
É
notável que houve a distinção do ensino rudimentar e liceal. Mas qual era a
diferença entre a quarta classe antiga feita por um indígena não assimilado do
assimilado?
A
quarta classe dos assimilados era bastante valorizada em relação a dos
indígenas assimilados. Caso um indígena não assimilado tivesse a quarta classe
e soubesse ler e escrever bem e expressar adequadamente, por vezes não o
transformavam em um assimilado e era obrigado novamente a fazer as classes
anteriores como a 1a 2a e 3a
Classes.
7.
Para
além da Educação e o trabalho árduo obviamente existia divertimento ou uma
actividade agradável praticada no momento de descanso ou de entretenimento como
forma de aliviar a mente e criar o bem-estar. Gostaria de saber quais são?
Os
assimilados divertiam-se bastante nas casas de cinema como 3 de Fevereiro
actual CUCA (centro Universitário de cultura e Arte), Também conhecida como o
cinema de São Jorge, também frequentávamos o Cinema Olímpio e o cinema
nacional. Existiam clubes especializados para os assimilados, o ferroviário da
Beira, foi um local eloquente para praticarmos e familiarizar-se com os
desportos. Participávamos em bailes, faras e caso inventassem um jogo como meio
de diversão no liceu e um negro assimilado fosse descriminado chegava o
professor e dizia “Rapazes respeitem esse negro ele não é um preto qualquer”.
8.
Ainda
lembra-se de algumas escolas ou liceus que maior parte de vós como assimilados
frequentavam?
Lembro-me
de Escolas como Pêro de Anaia que é a actual escola secundária Samora Machel a
que frequentei e quem lá podia frequentar além dos brancos só podia ser filho
de um Mainato ou de um cozinheiro que estivesse a trabalhar para o colono
português. Escola industrial e comercial freire de Andrade, eram poucos negros
assimilados que frequentavam. Fazer o primeiro e quinto ano na escola técnica
industrial não era fácil e quem ali podia estar são filhos de mainatos e
brancos, o colégio Luís Vaz de Camões (Actual Universidade Pedagógica da
Beira), o colégio nossa Senhora dos anjos (Actual Universidade Católica de
Moçambique-Ponta-gêa), Liceu António Enes, e o colégio João de Deus no esturro,
era uma instituição primária e privada, e o liceu Eduardo Vilaça actual escola
da Catedral.
9. Qual
foi o impacto do documento que servia
como o vosso Bilhete de Identidade?
Podia
circular livremente, já tinha o estatuto de um português e sabia que
restaurante devia entrar. E muitos de nós tínhamos o interesse pela
cinematografia.
10.
Os
indígenas não assimilados necessitavam de obterem os mesmos privilégios que os
assimilados no que concerne a educação. Será que houve alguém que fosse capaz
de garantir essa igualdade?
Sim,
o Dr. Rebelo de Sousa que construiu a escola primária das palmeiras, escola
primária dos pioneiros como forma de melhorar a relação entre os indígenas e
garantir as mesmas igualdades, e antes da sua chegada estava a ocupar a pasta
de governador-geral da província ultramarina o Machado de Almeida e mais tarde
entra o Rebelo de Sousa tendo em conta, que a actual escola de Sansão Muthemba
antigamente tinha o nome de Dr. Rebelo de Sousa em homenagem a sua pessoa.
APELIDO: MEDEIROS
NOME: José Emídio da Conceição
NATURALIDADE: Maputo-Cidade
NACIONALIDAE: Moçambicana
DATA DE NASCIMENTO: 02 Maio 1945
MORADA: Ponta-gêa
RAÇA: Branco
ESTADO CIVIL: Solteiro
CONTACTO:
-
1.
Hoje
em dia tem se falado muito acerca do modus vivendus dos assimilados, como forma
de fazer conhecer a histórias as novas gerações. Quando e como Adquiriu o
estatuto de uma pessoa assimilada?
Os
meus pais foram Assimilados, herdei de suas pessoas essa categoria. Obtive um
certificado ou alvará, passado pelos administradores das circunscrições ou
conselhos. Na época para ser um assimilado, demostrava que sabia ler, escrever
e falar português fluentemente, ser trabalhador assalariado, comer, vestir, a
mesma religião que os portugueses e era necessário manter um padrão de vida e
de costumes semelhante ao estilo de vida europeu e não ter cadastro na policia.
2.
Durante
o período que viveu como assimilado, como lidou com as questões ligadas ou
relacionadas a educação, tendo em conta a escola que frequentava?
Frequentei
o Ensino Primário na Escola António Enes –
Beira e o Ensino Secundário- Liceu Pêro
de Anaia, naquela época o ensino dos indígenas e dos
assimilados era coercivamente distinto. O ensino primário elementar para os
assimilados visava os instrumentos fundamentais de todo o saber e as bases de
uma cultura geral, preparando-nos para uma vida edificada. E o ensino para os indígenas
era para tira-los da vida de selvajaria.
3.
Quais
eram os reais e prestigiáveis benefícios fornecidos pela escola que frequentava
e será que o agradavam?
Os
assimilados eram sujeitos a lei comum. Fomos bastante instruídos pelos professores
e tínhamos um ensino de alta filigrana enquanto o ensino dos indígenas
caracterizava-se pelo superficialismo.
4.
Nota-se
que realmente as escolas de algum modo auxiliava-vos bastante, mas onde ela (s)
localizavam-se?
A
escola António Enes- Beira localizava-se ao redor do Maquinino junto ao bazar.
A escola Pêro de anaia, situava-se no bairro de Matacuane. O projecto para o
edifício próprio do Liceu de Pêro de anaia data a cerca de 1956. Foi inaugurado
em 1959. Um ano após a independência o liceu ganha um novo nome, passando a
chamar-se Escola Secundaria da Beira e em 1986 com a morte do ilustre e
fervoroso Samora Machel a escola passa a ser considerada como escola secundária
Samora Machel.
5.Como ocorria o acesso de outros serviços como transporte,
a saúde e a educação?
De formas distintas e tudo era de acordo com uma mera
particularidade. Os Assimilados estavam mais favorecidos. O acesso a educação
era para todos, mas para os indígenas a educação era menos privilegiada. O
acesso aos transportes era para todos mas como assimilados naquela época
ocupávamos os lugares da frente que eram mais confortáveis e quanto a saúde os
indígenas não assimilados não podiam infiltrar-se nos centros hospitalares
europeus.
6. Qual era o período (Anos) determinado (s) para
terminar de frequentar o liceu ou o colégio?
Bem, o ensino comercial iniciava de 1a à 5a
classe. E no caso de atingires a 5a classe era fase
preparatória para o ensino secundário. E nos Liceus o primeiro ciclo durava
somente dois anos; o segundo ciclo durava aproximadamente três anos e o
terceiro ciclo durava dois anos. Tanto no liceu e nos colégios, o vínculo de
transmissão dos conteúdos é o Português e ensinava-se Geografia, e a História
de Portugal.
6.
Para
além da Educação e o trabalho árduo obviamente existia divertimento ou uma
actividade agradável praticada num Momento de descanso ou de entretenimento
como forma de aliviar a mente e criar o bem-estar. Gostaria de saber quais são?
Foram umas férias onde o menos habitual se tornou no dia-a-dia: praia,
namoro e uma convivência mais participativa nas
actividades do Centro Cultural e do Cineclube da Beira. As actividades no Cineclube foram as que mais marcadamente
influenciaram o meu interesse nas artes
cinematográficas. No meio de tertúlias onde a análise acabava Tinha passado as
férias grandes sem qualquer esperança de acesso
à Universidade, pois tendo deixado a minha cadeira preferida (Físico-química) para a segunda época, tendo em vista estar fresco para a admissão (e
tentar convencer o meu pai a mandar-me para Lisboa)
acabei por chumbar a Matemática. Preparava-me então para um sétimo ano simples,
com direito a acesso aos serviços militares mandatários em 1966.
7.
Fiquei
curioso, o porque de tanto interesse pela Cinematografia?
Por se quedar em questões de técnica de
cinematografia, foi nascendo o interesse marcante pelas questões sociais e
políticas que o bom cinema da época ia trazendo de vez em quando, por via de
alguns clássicos adicionados às rabulas do “Charlot”. Paradoxalmente era este
mais visto no cineclube na altura, sendo os outros filmes de interesse vistos no
circuito comercial da cidade.
APELIDO: AGULHA
NOME: João Peixe
NATURALIDADE: Sofala-Beira
NACIONALIDAE: Moçambicana
DATA DE NASCIMENTO: 28 de Maio de 1938
MORADA:
Macurungo.
RAÇA: Negra
ESTADO
CIVIL: Casado
CONTACTO: 847810338.
1.
Hoje
em dia tem se falado muito acerca dos modus vivendus dos Assimilados, como forma
de fazer conhecer a história as novas gerações. Quando e como Adquiriu o
estatuto de uma pessoa assimilada?
Adquiri
o estatuto de assimilado através do cartão de assimilação. Através do auxílio
do meu pai que era o cozinheiro de um engenheiro português. De antemão
testemunhas que também eram assimilados levaram-me para assimilação e tinha que
ter uma forte relação e amizade com os portugueses, alguns que eram filhos de
assimilados acabavam também o sendo. Tinha que ter o mesmo comportamento que os
portugueses, caso contrário o tiravam o estatuto. Houve um misto na altura em
que o tiraram este estatuto porque continuava sendo mecânico e não queria
adaptar-se ao meio do português.
2.
Qual
era o privilégio de ser assimilado?
Com
o cartão de Assimilação tínhamos um ensino totalmente diferente dos não
assimilados ou dos indígenas considerados como não assimilados. Já podíamos
entrar em restaurantes, entravamos em cafeterias, em lojas e em cinemas como 3
de fevereiro no bairro da ponta-gêa, e o indígena não assimilado não podia
estar próximo dos locais que frequentávamos. Tinha que ter uma boa habitação, hábitos
tipicamente igual a dos portugueses.
3.
O
que faziam em momentos de Lazer?
Para
além do cinema jogávamos futebol mas sempre separados. Os indígenas não
assimilados estavam mais em São Benedito na Manga e os assimilados jogavam o
futebol no ferroviário.
4.
Como
era o acesso a outros serviços como a educação, saúde e o transporte?
Os
assimilados, Brancos, não assimilados todos nós tínhamos acesso a educação, ao
transporte e a saúde, existia racismo pois os pretos caso partilhassem o mesmo
transporte que o assimilado este não ocupava um lugar confortável, quando
viajássemos em comboios os assimilados iam sentar-se nos bancos da trás e os
pretos estabeleciam-se nos bancos da frente os pretos não tinham acesso ao
hospital europeu e eram considerados marginais, pessoas sem cultura. Existia
uma loja que o indígena não assimilado não entrava que era chamada de casa
Empoleio que situava-se ao redor dos Seguro, próximo ao Millennium Bim e a casa
chamada Bulha era para os pretos poderem adquirir e realizar certas compras.
5.
Que
escola ou liceu frequentava naquela época e onde localizava-se?
Frequentei
numa primeira fase a missão Broma, mais tarde apreciaram-me porque falava
fluentemente a língua portuguesa e já dominava a leitura e a escrita e passei a
frequentar o liceu Pêro de Anaia, no bairro do Matacuane. Fiz a 4a Classe
bem-feita e muito bem trabalhada por mim e pelos portugueses que hoje pode
comparar-se com o ensino Universitário pois aprendíamos tudo quanto preciso e
necessário.
6.
Como
era o trabalho nos Caminhos-de-ferro de Moçambique e no porto da Beira?
Tanto
para os pretos e os Brancos o trabalho era o mesmo. No cais recebia-se
semanalmente e trabalhava-se de Segunda à Sexta, e o salário era diferente pois
os que trabalhavam no mineiro recebiam bastante e tinham um cartão de trabalho
que identificava a sua posição e o seu esforço de trabalho e existia um cartão
amarelo para todos não assimilados. Nos portos os indígenas trabalhavam nos
porões e maior parte deles estavam no IZOFE- Matacuane.
Figura 1. Vista frontal da Antiga
casa de cinema, 3 de fevereiro actual centro universitário de cultura e artes.
Fonte: O autor, 2018.
Figura 2. Antigo colégio Luís Vaz
de Camões, actual Universidade Pedagógica.
Fonte: O autor, 2018.
Figura 3. Vista frontal do
Antigo colégio Nossa Senhora dos Anjos, actual Universidade Católica de
Moçambique-Ponta-Gêa.
Fonte: O autor, 2018.
Capitulo II.
2.1 O Historial da
Cidade da Beira desde o tempo colonial até a época actual.
2.1.1 Localização
Geográfica da Cidade da Beira.
A cidade da Beira, capital da província de
Sofala, está localizada a cerca de 1.190 km a norte de Maputo, no centro da
costa do Oceano Índico. É uma cidade portuária no Canal de Moçambique. O
município tem uma área de 633 km², uma altitude média de 1 metros acima do
nível do mar e está situado nas coordenadas 19° 50' sul e 34° 51' leste. Tem
limite ao norte e oeste com o distrito de Dondo, a leste com o Oceano Índico e
ao sul com o distrito do Búzi.
2.1.2 Toponímia da Cidade da Beira.
A
cidade da Beira, antes se chamou Chiveve nunca Aruângua como por vezes, erradamente, se tem
propalado nas terras tradicionalmente conhecidas por Bângoè.
Na
opinião do Sr. Gulamo, a região onde
se encontra implantada a cidade da Beira, foi primitivamente conhecida como Bângoè, junto a actual Baia de
sofala, onde também desagua o rio Púngwe (conhecido na história como rio Aruângua). E a região hoje
designada de sofala era conhecida como Buane.
2.1.3 Beira desde o
Período Colonial.
“Este período
inicia-se com Decreto de 13 Outubro de 1926, de João Belo (Estatuto orgânico
das Missões Católicas Portuguesas da África e Timor), que extingue as missões
laicas ou missões civilizadoras e revigorou a intervenção das missões
católicas”. (MAZULA 1995:78)
Segundo “Este período vai marcar um período de estreita colaboração
entre o estado e a Igreja não deixando exclusivamente a esta educação dos
«indígenas, como acontecera no período anterior, dos descobrimentos ate 1834,
mas também não a excluindo totalmente, tendo em), conta o tradicional
catolicismo da Nação (portuguesa)”». (BELCHIOR 1965:628 Apud MAZULA 1995:78)
2.1.4 Formação da cidade
da Beira.
A cidade de Beira foi originalmente
desenvolvida pela Companhia de Moçambique no século XIX, e depois directamente
pelo governo colonial Português entre 1942 e 1975, ano em que Moçambique obteve
sua independência de Portugal. Actualmente a cidade se encontra modernizada,
embora ainda mantenha algumas áreas de gradadas e problemáticas, como é o caso
do Grande Hotel Beira.
A
povoação foi fundada pelos portugueses em 1887, numa área conhecida pelo nome
de Aruângua, e logo suplantou Sofala como principal porto no território da
actual província de Sofala. Originalmente chamada Chiveve, o nome de um rio
local, foi rebatizada para homenagear o Príncipe da Beira Dom Luís Filipe,
primogénito de D. Carlos I que, em 1907, foi o primeiro membro da família real
portuguesa a visitar Moçambique, trazendo de Lisboa o decreto real que elevava
Beira à categoria de cidade.
A construção de uma nova estação ferroviária
foi concluída em 1966. Antes da independência, a Beira era destaque por seu
porto marítimo bem equipado, uma das principais instalações de seu tipo em toda
a África Oriental, e também pelo turismo, pesca e comércio. A cidade prosperou
como um porto cosmopolita com diferentes comunidades étnicas (portugueses,
indianos
“A
cidade da Beira, capital da província de Sofala, em Moçambique, celebra no dia
20 de Agosto o seu aniversário de ser elevada ao estatuto de cidade. O seu
desenvolvimento desde um pequeno posto militar até se tornar num dos principais
portos marítimos da costa oriental africana no período colonial, teve
intervenção da administração directa da cidade pela empresa Companhia de
Moçambique”. (CARVALHO 2012:1).
Esteve como base na criação da Companhia de Moçambique a
Conferência de Berlim, em 1885, que obrigava os estados europeus à ocupação
efectiva do território das suas possessões africanas. Sob esta premissa, um dos
grandes dinamizadores para usufruir das riquezas moçambicanas foi Joaquim
Carlos Paiva de Andrada, oficial do exército português e adido militar em
Paris. Este constituiu duas empresas (em 1878 e 1884) para a exploração mineira
e florestal de vastas áreas no centro de Moçambique mas, que por vários
motivos, acabaram por ser liquidadas.
Apesar destes fracassos iniciais, Paiva de Andrada
logrou fundar, em conjunto com outras personalidades portuguesas, a Companhia
Nacional de Moçambique. Esta propunha-se junto do Estado português a obter o
direito de exploração colonial dos distritos de Sofala e da Zambézia (no
litoral norte de Moçambique).
2.1.5 A economia da
cidade da Beira no período em estudo.
A cidade vivia e ainda vive do comércio e do porto, que
movimenta carga geral (carga solta/não contentorizada), mas também existe um
terminal de contentores. A cidade está na origem de dois corredores de
transporte. O Corredor da Beira liga ao Zimbabué, por via rodoviária e
ferroviária e facilita o acesso do interior do continente ao litoral como, por
exemplo, de Lusaka, capital da Zâmbia, país sem acesso directo ao mar. O
segundo corredor liga ao Malawi e é neste momento exclusivamente rodoviário.
O porto tem o seu primeiro
desenvolvimento em 1896, com a construção da ponte-cais do
caminho ferroviário, que permitiria a articulação da Beira à linha ferroviária de ligação à Rodésia, e ao interior de África, e que será inaugurada em 19002. Na sequência deste franco desenvolvimento, a Beira será elevada a cidade em 1907.
caminho ferroviário, que permitiria a articulação da Beira à linha ferroviária de ligação à Rodésia, e ao interior de África, e que será inaugurada em 19002. Na sequência deste franco desenvolvimento, a Beira será elevada a cidade em 1907.
Os principais produtos de exportação do porto são
açúcar, tabaco, milho, algodão, fibra de pita agave, Cromo, minério de ferro,
cobre, chumbo, carvão. O Corredor da Beira contém também um oleoduto que liga o
porto da Beira ao Zimbabué. A cidade da Beira é o segundo maior parque
industrial do país logo a pós a Matola.
2.1.6 Origem étnica da
população da Beira.
A
população da cidade da Beira pertence na sua maioria ao grupo Bangwè, resultante do cruzamento ocorrido entre os Machangas, Matewes e Podzos do
vale do Zambeze. A maioria da população é cristã, havendo também um elevado
número de muçulmanos e hindus.
2.1.7 Religião.
A Arquidiocese da Beira, em latim: Archidioecesis
Beirenses, é uma sede metropolitana católica de rito latino, com sede nesta
cidade e criada em 4 de junho de 1984.
2.1.8 Turismo.
O turismo é e sempre foi uma indústria em potencial
para a Beira, mas os retornos são, até ao momento, limitados. Os atractivos
turísticos da Beira incluem a Catedral da Beira, a Estação Ferroviário. Há também um serviço de
batelão que liga a cidade a povoações vizinhas, especialmente o Búzi. A Beira é
servida pelo Aeroporto Internacional da Beira situado a nordeste da cidade, com
voos domésticos e internacionais.
2.1.9 Cultura.
Apoiando-se em Sr. Peixe, a cultura da cidade da Beira era totalmente tradicional
como Makwai, que foi uma dança de expressão guerreira e Mandhique, que foi e
ainda é considerada como uma dança tradicional e espiritual praticada na
confirmação de novos curandeiros depois de um determinado período de formação e
essa cultura normalmente praticava-se à noite.
E os indígenas não assimilados praticavam
também a cultura designada como Ndokodo. Todas essas culturas eram proibidas
pelos colonos portugueses. E os assimilados estavam proibidos de assistir essas
danças praticadas pelos nativos da cidade da Beira.
2.1.10. Os bairros da
cidade da Beira.
Segundo o
Sr. Noé a cidade da Beira possui 26
bairros nomeadamente: Macuti, Palmeiras, Ponta-Gêa a Chaimite Pioneiros,
Esturro, Matacuane, Macurungo, Munhava- Central, Mananga Vaz, Maraza, Chota, Alto
da Manga, Nhaconjo, hingussura, Vila Massane, Inhamizua, Matadouro, Mungassa, Ndunda, Manga
Mascarenhas, Muave, Nhangau, Nhangoma e Chonja.
O Sr. Noé acrescenta ainda que, todos
estes nomes derivam da tradução da língua mais falada na Beira que é Ndau, não exceptuando a de Sena.
Na
opinião do Sr. Gulamo, o bairro do
Macurungo chavamava-se Ndobo e
cultivava-se bastante batata-doce, e o bairro de Macuti assim chamou-se porque
havia muitas casas feitas a palhas. Antes da chegada dos colonos portugueses
estes bairros tinham nomes locais após a sua chegada os portugueses começam a
introduzir novos nomes.
Segundo o
Sr. Peixe, o bairro de Muchatazina provém de Martins que era um comercia
português e na língua Ndau esta
palavra era um insulto e significava coisas íntimas de uma mulher. O Sr. Gulamo, diz que a região hoje
chamada Muchatazina em Ndau quer
dizer nome feio. Os moradores deste bairro pensaram muitos nomes para atribuir
a zona, visto que todos os nomes eram mais feios e um senhor disse Muchatazina
que pretendia dizer escolheram um nome feio para a zona.
Na
opinião do Sr. Noé o bairro da
Munhava estava dividido em munhava do este (entre Maraza), Munhava central onde
situa-se uma das zonas mais famosos conhecida como Matchipissa, Munhava do sul
(entre Tchantchi), Munhava do norte (Caxiquinha) e Munhava do oeste (mais
conhecido por Munhava Matope).
O bairro
do Matacuane, explicam os entrevistados que assim chamou-se porque naquela
região um homem que vivia ao redor da entrada com trajes rasgados mostrando as
partes íntimas do corpo. O Goto provém de uma empresa que fazia bastante
esgoto, o bairro de Nhamudima, assim chamou-se porque existia muitos poços,
Nhamo-Conjunto e Ndima-poços (furos de água).
Segundo o Boletim de Arquivo Histórico de
Moçambique (1989:272), “Nos bairros do Macuti, palmeiras e Ponta-gêa, embora as
moradias por vezes se misturem com blocos residenciais colectivos, elas
constituem, pelo seu caracter estético e de salubridade, a característica mais
notável destes bairros”.
Apoiando-se ainda no Boletim de Arquivo
Histórico de Moçambique (1989:273), “A qualidade das casas e sua ornamentação
vai baixando significativamente à medida que se aproxima o núcleo comercial, ou
seja, de Norte para Sul. Sobretudo a partir da transição dos bairros das
Palmeiras para a Ponta-Gêa, as moradias de luxo vão sendo substituídas por moradias
isoladas do tipo normal, e por algumas casas de alvenaria idosas e precárias. O
estado precário em que se encontram as moradias tem haver com a discriminação
social, pois são bairros outrora destinados aos asiáticos e mestiços. Trata-se
da maior parte dos casos edifícios antigos de construção simples, alguns de
madeira e zinco, assentando sobre estacas. Em alguns casos o abastecimento em água
potável não está totalmente garantido nem existe um sistema de esgotos
eficiente.
As casas
são em geral de dois pisos, possuem garagem e instalações para arrumos e para
empregados domésticos. Nestes bairros a densidade populacional é relativamente
baixa do que a da restante cidade, o que significa também existe uma fraca
intensidade de ocupação de espaço. A particularidade destes bairros não reside
somente na sua favorável localização, sua exposição aos ventos frescos e sua
instalação sobre terrenos secos e relativamente estáveis, mas refere-se também,
e sobretudo, ao equipamento infraestrutural.
Senhor Gulamo acrescenta ainda que, a companhia de
Moçambique vendia alguns territórios e estruturas como o grande hotel, e
entrepostos. A companhia de Moçambique fazia o recenseamento de toda povoação
no Macuti tudo sob auxílio de um régulo, secretário e um adjunto e existiam os
sagotas que eram considerados como policiais. E na companhia de Moçambique não
existia nenhum assimilado lá a trabalhar, quem lá opera são os indígenas
civilizados que tinham atingido a 4ª classe.
Capitulo III.
3.1 O historial de algumas
estruturas da cidade da Beira.
No
conjunto da baixa da cidade da Beira
existem vários edifícios com interesse histórico-cultural embora alguns se apresentam em ruínas como a Casa Portugal,
Casa dos bicos, o Grande Hotel entre outros. Possui uma arquitectura bastante rica que é exemplo
excepcional de uma dicotomia urbana resultante da diversidade cultural e interação entre os
europeus e asiáticos (enquanto isso, as classes médias constituídas por operários qualificados e
funcionários públicos residiam no Esturro e Matacuane. O Bairro de Maquinino era habitado
maioritariamente por operários, enquanto os chineses e indianos viviam nos respectivos
estabelecimentos comerciais na Baixa da cidade (ARPAC, 2008:8).
3.1.1 A formação do
Grande Hotel e seu impacto para os Assimilados.
Hóspedes da noite AZEVEDO (2007) Apud SPINUZZA (2016:277), “vencedor de
vários prémios internacionais, é um documentário que relata a vida dos
ocupantes do antigo Grande Hotel da Beira, em
Moçambique. Sediado na então glamorosa cidade da Beira, o hotel era um exemplo de luxo que devia atrair numerosos turistas
internacionais, especialmente os que provinham
da antiga Rodésia (hoje Zimbabwe) ”.
Inaugurado em 1955, com mais de
trezentos quartos, luxuosas suítes, uma piscina olímpica e clubes de dancing, o hotel revelou-se
pouco rentável, e alguns anos depois da inauguração estava prestes a fechar. Até a data do fecho definitivo, as
instalações do elegante espaço continuaram a
funcionar ocasionalmente para os eventos da boa sociedade beirense e não só. Mais tarde, ao longo da guerra colonial e após a
independência, o hotel foi utilizado como base
militar e local de refúgio. (SPINUZZA, 2016:277).
Hoje, a decadência apoderou-se
completamente do hotel: sua estrutura foi escarnificada, tudo foi retirado e vendido: as
canalizações, as janelas, as madeiras, até alguns dos blocos de betão que seguravam a construção
arquitectónica. O esqueleto do hotel é habitado por uma numerosa comunidade de
ocupantes, alguns dos quais chegaram durante a guerra civil à procura de abrigo.
“Decadência foi o destino que conheceu também a
cidade da Beira, quando seu porto e seus caminhos-de-ferro esgotaram suas
funcionalidades devido à mudança das relações políticas com o antigo regime
rodesiano, ao começo do processo de independência do país e à longa guerra que se seguiu. (MAGALHÃES 2012:1 Apud
SPINUZZA 2016:277).
O documentário de Azevedo foca-se sobretudo nos novos
habitantes do hotel. Estas pessoas que vivem sem saneamento, água
e electricidade são parte de uma heterogénea comunidade de sobreviventes com
uma administração e tribunal de moradores (mais ou menos oficiais), lojas e
locais de culto, regras e leis.
Já na
altura da sua construção, durante a época colonial, o projecto do hotel,
exageradamente grande e dispendioso, estava desajustado do contexto no qual se
inseria. As etapas de construção e decadência do hotel acompanharam a história
da Beira, cidade florente nos anos 1950 e 1960 graças à ligação entre a então
Rodésia e o mar, que viveu um período de decadência a partir da guerra
colonial. Com efeito, a subsistência económica da cidade era determinada
sobretudo pela linha dos comboios, o assim chamado “corredor da Beira”, que
fazia a ligação entre o território rodesiano e o mar (op.cit:278).
3.1.2 O Trabalho
idealizante realizado pelos Arquitectos para a sua construção.
“Inicialmente projectado pelo
arquitecto José Porto, o hotel devia incluir um cassino, que não foi autorizado,
contribuindo assim para o desgaste financeiro da
estrutura. Sucessivamente, o projecto inacabado passou nas mãos de outro arquitecto, Francisco
Castro, que completou a construção do luxuoso edifício”. (SPINUZZA,
2016:278),
“Com sua fachada curvilínea e
dimensão monumental, o hotel tinha uma posição privilegiada à frente do Índico.
Hoje, o local de opulência de uma elite colonial é reconvertido numa estrutura agonizante
e lúgubre que, na miséria extrema, abriga uma multidão”. (SPINUZZA, 2016:278).
3.2 O Trabalho Magnífico
de Arquitectos e suas devidas construções na cidade da Beira.
“Também
Paulo Melo Sampaio (1926-1968) e Francisco José de Castro (1923-) Formados
pela Escola de Belas Artes de Lisboa se entusiasmam com as possibilidades de
construir num território em franco desenvolvimento e instalam-se na Beira no
início da década de 50, exercem uma actividade liberal prolífera, dominada pela
encomenda privada especialmente no domínio da habitação unifamiliar”.
(MAGALHÃES, 2012).
Paulo Sampaio é autor de alguns dos edifícios mais
marcantes da cidade da Beira, evidenciando uma influência clara da obra de Le Corbusier filtrada através da
plasticidade da arquitectura brasileira especialmente da obra de Afonso Eduardo Reidy (1909-1964). O seu Conjunto Residencial do Pedregulho (1946) serviu de mote a
obras exemplares como o Automóvel Touring Clube de Moçambique (1957), hoje
Palácio dos Casamentos, o Motel Estoril
(1959) ou o Pavilhão do Clube Ferroviário (1957). (MAGALHÃES, 2012).
Francisco
Castro que chegara à Beira em 1953 com a missão de concluir o Grande Hotel da
Beira (projectada em 1947 pelo arquitecto José Porto) desenvolve um conjunto de
projectos essencialmente de iniciativa privada dos quais se destacam o edifício
do “Diário de Moçambique” (1954), o Colégio dos Maristas (1959).
João Garizo do Carmo (1917-1974), “formado na Escola de Belas Artes do Porto e recém regressado à Beira, a
sua cidade natal, desenha a Igreja da Manga (1955) com a consciência de que não
poderá recorrer a outro imaginário que não o do seu tempo”.
3.3 A lembrança dos momentos vividos pelos assimilados no
grande hotel.
“As memórias de
dois ex-empregados, o Sr. Caíto e o Sr. Pires, que substituem a voice over do narrador, acompanham o percurso da
camêra. Enquanto os dois avançam desde as câmaras frigoríficas e a lavandaria da cave do hotel até o
terraço, onde vive o louco e dois
irmãos órfãos, relembram o passado”. (AZEVEDO 2007 Apud SPINUZZA 2016:278)
Nas passagens entre os corredores, escadas e quartos do hotel,
o documentário oferece-nos também o testemunho directo dos moradores, com
suas histórias de guerra e deslocações forçadas. Essas pessoas, que tiveram um passado
difícil, enfrentam hoje um presente feito de sacrifícios e dificuldades porque,
como afirma uma das mulheres que se refugiou no hotel durante a guerra civil, “viemos
para a Beira enfrentar outra guerra, a pobreza”.
Figura 4.
Vista frontal do
grande Hotel, em condições precárias e degradantes.
Fonte: O autor, 2018.
Figura 5. Ilustração da vista frontal do Grande Hotel,
Beira.
Fonte: O autor, 2018.
Figura 6. Vista traseira do Grande Hotel, Beira.
Fonte: O
autor, 2018.
Capitulo IV.
4.1 O surgimento dos Caminhos-de-ferro e o porto da Beira.
A
história dos CFM é a história de heroicidade dos trabalhadores moçambicanos;
daqueles que faziam comboios enfrentando a morte, dos muitos maquinistas que
saíram para trabalhar e não mais voltaram à casa, de outros tantos que foram
feridos, mas o seu sentido de patriotismo não permitiu que a empresa parasse.
Respondendo
à necessidade de construir um grande equipamento para albergar o movimento
existente de passageiros e mercadorias do denominado “corredor da Beira”, que constituía
a ligação do interior de África, nomeadamente a Rodésia (actual Zimbabwe), ao
porto da Beira situado num braço de mar, no Oceano Indico. Na opinião do Sr. Peixe a estacão dos
caminhos-de-ferro foi inaugurada aproximadamente em 1966, e ela foi criada pela
The porto of Beira Development Corporation.
A construção
da Estação de Caminho-de-ferro anunciava essa azáfama e o desenvolvimento da
cidade. Situada no extremo Norte da cidade, junto ao Porto, esta grande
infraestrutura actua como remate no plano da cidade.
Na opinião de Sr. Gulamo os assimilados nos caminhos-de-ferro
trabalhavam nas oficinas como mecânicos, serralheiros, soldadores e alguns
negros com a caderneta de 16 folhas aproveitaram da CFM para tornarem-se
cidadãos assimilados, alguns deles acabavam tornando-se Maquinistas.
Apoiando-se no Boletim do Arquivo Histórico
de Moçambique (1989:297-298), “O porto da Beira é um dos centros nevrálgicos
mais importantes para o desenvolvimento presente e futuro da economia nacional
e regional. Situado na foz do rio Punguè, cuja área hidrográfica cobre cerca de
7.205.000 m2 (…)”.
4.2 Arquitectos que desenvolveram o projecto dos Caminhos de Ferro de
Moçambique.
Apoiando
em MAGALHÃES (2012:4) “Em 1958, Bernardino Ramalhete, arquitecto municipal,
constituiu uma equipa que desenvolveu o plano geral da Estação. Assim, o
projecto foi dividido em três partes, distribuídas por cada arquitecto da
equipa embora a coordenação e a fiscalização da obra seja atribuída ao
arquitecto Paulo Melo Sampaio.
Figura 8. Vista frontal das estações do caminho-de-fero.
Fonte: O autor, 2018.
Conclusão.
Durante o trabalho de
Campo ficou claro que a política de assimilação foi uma tentativa de Portugal
destruir a tradição cultural das suas colónias africanas e, através da sua
europeização, formar uma elite privilegiada que colaborasse com os colonizadores.
Tendo em conta que os indígenas não assimilados eram totalmente distintos dos
assimilados tanto pela questão relacionada ao acesso a educação, ao transporte
e a saúde. Com o estatuto dos indígenas de 1926, com nova versão em 1929 e com
o acto colonial constitucionalmente instituído, acentuou-se o fosso existente
entre uma elite de africanos em relação aos demais, pela divisão entre os
chamados assimilados considerados como cidadãos sujeitos à lei comum e os
chamados indígenas, inseridos apenas no seio da sua própria cultura de origem.
Constatou-se por um
lado que, a cidade da Beira cresceu vigorosamente, especialmente entre 1960 e
1974. A proclamação da independência, em 25 de Junho de 1975, significou uma
nova fase do desenvolvimento da cidade, caracterizada pela alteração da sua
estrutura socioeconómica e político-administrativa. Nas proximidades da praça
do município situam-se os principais edifícios dos mais variados estilos e com
diversas funções tais como a administração pública, comércio, escritórios e
outros serviços. Alguns destes edifícios apresentam-se ainda em estado
original, apesar de terem sido restaurados.
Referências
Bibliográficas.
ARPAC, (2008). Pequeno
subsídio sobre o centenário da cidade da Beira. Beira: Diário de
Moçambique.
MAGALHÃES,
A. (2012). Estação de Caminho de Ferro da
Beira: Apogeu e Crítica do Movimento Moderno em Moçambique. Atas do Congresso Internacional Saber
Tropical em
Moçambique: História, Memória e Ciência. Lisboa: Instituto de Investigação Científica
Tropical.
Moçambique: História, Memória e Ciência. Lisboa: Instituto de Investigação Científica
Tropical.
MAZULA, B. (1995). Educação, cultura e Ideologia em Mocambique.1975-1985
em busca de fundamentos filosóficos-antropológicos. Fundo Bibliográfico da
língua portuguesa, edições Afrontamento.
SPINUZZA, G. (2016). Olhares cruzados sobre o grande hotel da
Beira: Hóspedes da noite, Licínio Azevedo, e “casas de ferro”, de João Paulo
Borges Coelho.
BOLETIM do AHM, (1989).
Cidade da Beira, Nº 6 especial.
[1] Estudante de História e Documentação, Monitor e pesquisador social na
Universidade Licungo-Beira.
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