Professor, historiador, documentalista e activista social.

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terça-feira, 28 de janeiro de 2020


Pesquisa em torno   dos assimilados na cidade da Beira e o Historial da cidade da Beira.


Desdério José Supeia.



Trabalho realizado no âmbito da cadeira de História de Moçambique do século XVI-XVIII.




 







Universidade Pedagógica
 Beira
2018


Capítulo I: Introdução.

O presente trabalho de campo da cadeira de História de Moçambique do Século XVI-XVIII vai abordar acerca dos assimilados da cidade da Beira desde o período colonial, o trabalho também traz dados concretos acerca do Historial da grande cidade da Beira, tendo em conta que os conjuntos históricos urbanos no seu todo adquiriram, desde a última metade do século XX, um estatuto importante na cultura e na vida das sociedades modernas dado o valor histórico e arquitectónico atribuído ao seu património edificado. Devido ao seu valor patrimonial, os conjuntos históricos da cidade da Beira constituem actualmente ícones do turismo cultural a nível mundial sendo que uma das preocupações das entidades responsáveis pelo património cultural tem sido a adopção de estratégias para a protecção e promoção destes conjuntos.
1.2 Objectivo geral.
Ø Analisar o historial da cidade da Beira e o estatuto dos assimilados.

1.2.1 Objectivos específicos.

Ø  Documentar os principais elementos patrimoniais do conjunto da cidade da Beira; Avaliar o significado cultural; Analisar o Historial da cidade da Beira e a origem de algumas instituições frequentadas pelos assimilados.

1.1.3 Metodologias.

O trabalho contemplou duas componentes distintas. A primeira componente correspondeu ao trabalho de campo, que consistiu na recolha de dados por meio de entrevistas e através da observação directa. Orientadas por um guião com as principais questões da pesquisa e a segunda componente centrou-se na pesquisa bibliográfica e documental em instituições que dispõe dos materiais para a temática em estudo bem como artigos publicados em revistas científicas disponíveis na Internet e as entrevistas foram semiestruturadas. A pesquisa bibliográfica teve como principais focos: a Delegação Provincial de Sofala do Instituto de Investigação Sociocultural (ARPAC-Sofala), e a Biblioteca municipal da cidade da Beira[1]

2.1-DADOS PESSOAIS DOS ENTREVISTADOS:

 APELIDO:                         Hassane
 NOME:                                Gulamo
 NATURALIDADE:              Beira
  NACIONALIDAE:            Moçambicana
  DATA DE NASCIMENTO: 15 de Agosto de 1939
  MORADA:                            Macurungo
  RAÇA:                                      Misto
   ESTADO CIVIL:                   Casado
  CONTACTO:                        846694242              
     

     2.1.1 Análise dos dados recolhidos do questionário dirigido aos entrevistados.

1.      Hoje em dia tem se falado muito acerca do modus vivendu dos Assimilados, como forma de fazer conhecer a história as novas gerações. Quando e como Adquiriu o estatuto de uma pessoa assimilada?
Obtive o estatuto de assimilado graças ao meu pai que foi um trabalhador dos colonos portugueses registrou-me e passei a ser um cidadão português. Ser assimilado significou afastar-se de nossos parentes que não tinham os mesmos privilégios que nós. Os assimilados seriam os indivíduos que, por viverem nas cidades, estariam já dando mostras de uma forma de vida mais próxima à portuguesa: no uso da língua, na aceitação da vida cristã, na assunção do trabalho diário como forma de sustentar a família e na obediência às leis do governo, como as que se referem ao pagamento de impostos, ao serviço militar.
2.      Durante a sua actividade como Assimilado, como lidou com as questões ligadas ou relacionadas a educação, tendo em conta a escola que frequentava?

Antes de falar como me relacionei com a escola ou com o ensino fornecido e estabelecido por parte dos portugueses, era um ensino que nas cidades era considerado como elementar e nos distritos era considerado como rudimentar e a maioria da população estudava até a 4a Classe e não era fácil ingressar no ensino secundário. Frequentei a Escola do Liceu Pêro de Anaia, e o ensino secundário e o governo colonial dizia que o indígena não podia estudar muito sob o risco de abrir os olhos e apunhalar os que o educavam e os que o dão um ensino digno. A Relação com a escola foi boa, visto que estava ali para aprender e obter conhecimento e ser educado de acordo os princípios portugueses, visto que, frequentava o liceu aproveitei de tudo o que foi bom.

3.      Quais eram os reais e prestigiáveis benefícios fornecidos pela escola que frequentava e será que o agradavam?

Bem, pelo simples facto de adquirir o cartão de assimilação já frequentávamos o ensino liceal, e pelo simples facto de se inscreveres na caixa escolar já era uma vantagem grandiosa. O ensino era diferente a dos Indígenas. Tínhamos bastantes momentos agradáveis e de lazer, ficávamos bastante felizes com os lanches fornecidos pelo liceu, bem como o transporte que favorecia a nossa circulação para a casa e aprendíamos a história portuguesa.

4.      Noto que realmente as escolas de algum modo auxiliava-vos bastante, mas onde ela localizava-se?

O liceu Pêro de Anaia situava-se no bairro do Matacuane-cidade da Beira onde fiz a 4ª Classe. Se me recordo foi um projecto de antigos arquitectos como Lucínio Cruz e Eurico Pinto Lopes. Pelo que contaram-me foi inaugurada em aproximadamente 1959. Actualmente é a Escola Secundária Samora-Machel da Beira.

5.      Como ocorria o acesso de outros serviços como transporte, a saúde e a educação?

O assimilado nos transportes urbanos ocupava os lugares da frente e os indígenas não assimilados ocupavam os lugares de trás e existiam centros hospitalares somente para os assimilados, no Macuti existia uma enfermaria somente para os indígenas assimilados, portugueses e Mulatos e quem era considerado de africano eram os mestiços e existia o hospital indígena somente para negros considerados como não civilizados. Também frequentávamos o hospital Europeu, actualmente localizado ao redor da Baixa da cidade. Às empresas, escolas e aos serviços de saúde ao mesmo tempo, tinham uma relação próxima com as formas “tradicionais”, dos usos e costumes locais: frequentávamos os médicos tradicionais, os chamados curandeiros; aceitávamos o casamento por dote, o lobolo; falávamos as línguas indígenas ao mesmo tempo que o português. Acrescento ainda que a eletricidade de Moçambique a motor estava situada na Baixa e outra estava localizada no Bairro da Manga. O comboio era a lenha ou a carvão.
6.      Quais são os locais da cidade da Beira por onde os transportes circulavam com frequência.
Havia transportes que circulavam da baixa até a praça da índia e rondava até na muralha e nenhum negro entrava, os indígenas não assimilados entravam em transportes que saiam da baixa até a passagem de nível e nenhum não assimilado circulava no bairro da ponta-gêa.

7.      Para além da Educação e o trabalho árduo obviamente existia divertimento ou uma actividade agradável praticada no momento de descanso ou de entretenimento como forma de aliviar a mente e criar o bem-estar. Gostaria de saber quais são?

Nos momentos livres praticávamos desportos, viajávamos para Europa, distraia-se fazendo cálculos, lendo pois estava preocupado em conquistar ainda mais a amizade com o português. Frequentava o cinema Lex e o cinema São de Jorge.

8.      Como Sentiam-se após transformarem-se em assimilados e como conseguiam lidar com o estatuto de um assimilado?

Nós os negros assimilados fomos uma classe social considerados como ex escriturários, policias e motoristas dos machibombos e tínhamos uma identificação que garantia que somos assimilados e diferenciávamo-nos de vários pretos. Assim, a condição de assimilado seria a fase intermédia através da qual um indivíduo africano transitava da condição de indígena à de cidadão. Essa fase intermédia era obrigatória para todos os africanos, mas na lógica da lei, os filhos de assimilado já seriam cidadãos plenos, por considerar-se que no processo evolutivo da civilização não havia volta.

9.      Como assimilados em que locais trabalhavam?
Trabalhávamos nas fazendas, na companhia do Búzi que foi criada em 1898, que antigamente era conhecida como Nova Lousitana. Operávamos na administração e nos Caminhos-de-Ferro de Moçambique, bem como no porto, e pagávamos impostos que correspondia cerca de 20 escudos.
           APELIDO:                         José
           NOME:                                 Noé
     NATURALIDADE:           Sofala-Beira
     NACIONALIDAE:            Moçambicana
     DATA DE NASCIMENTO: 12 de Março de 1947
     RAÇA:                                     Negra
     Morada: Rua 810- Macurungo, casa 188.
     ESTADO CIVIL:                   Solteiro
     CONTACTO:                      844220940                                 
       
1.      Hoje em dia tem se falado muito acerca do modus vivendus dos Assimilados, como forma de fazer conhecer a histórias a novas gerações. Quando e como Adquiriu o estatuto de uma pessoa assimilada?

Nasci como assimilado porque o meu pai já o era, foi no hospital dos Assimilados Conhecido como o Hospital Europeu. O meu pai foi um trabalhador de um mainato e após a sua morte visto que, era diferente de outros indígenas já sabia ler e escrever e adquiri o Bilhete de Identidade designado como Bilhete de identidade da província Ultramarina. Sob o controle da República portuguesa, enquanto o indígena tinha a caderneta de 16 folhas. Eramos considerados como pretos civilizados, e expressar correctamente a língua portuguesa não era fácil. Ser assimilado significou aceitar a subjugação dos portugueses sem rebelar-se isto é, assumir os dotes portugueses, e fomos considerados como indígenas portugueses.

2.      Durante a sua actividade como assimilado, como lidou com as questões ligadas ou relacionadas a educação, tendo em conta a escola que frequentava e onde se localizava?
3.       
Frequentava o colégio irmãos Maristas. Que situava-se no Macuti, ao redor da actual Universidade Católica de Moçambique.

4.      Quais eram os reais e prestigiáveis benefícios fornecidos pela escola que frequentava e será que o agradavam?

O benefício era a classe, e tornávamo-nos diferentes dos indígenas não assimilados. No liceu irmãos maristas bem como em outros colégios em que frequentávamos davam lanches, tínhamos relação com estudantes de diferentes locais caso realizássemos alguma expedição para outros locais como a Rodésia, passávamos também a ser dactilográficos, intérprete da administração, continos e em alguns casos existiam indígenas não assimilados com 4a Classe tornavam-se motoristas de Machibombos. Caso soubesse ler e escrever correctamente.

5.      Como ocorria o acesso de outros serviços como transporte, a saúde e a educação?

Os assimilados frequentavam o hospital europeu e existia os hospitais destinados somente para os indígenas, e alguns deles acabavam dando parto em casa porque a distância para o centro de saúde era longa. Maior parte dos indígenas não assimilados frequentavam escolas pertencentes a missões católicas. E todos os assimilados frequentavam colégios, liceus e tinham uma educação distinta a dos indígenas com caderneta de identificação de 16 folhas. Todos sem distinção de raça tinham acesso ao transporte, mas existiam alguns autocarros que os não assimilados não podiam entrar bem como não circulavam em maior parte dos bairros.

6.      É notável que houve a distinção do ensino rudimentar e liceal. Mas qual era a diferença entre a quarta classe antiga feita por um indígena não assimilado do assimilado?

A quarta classe dos assimilados era bastante valorizada em relação a dos indígenas assimilados. Caso um indígena não assimilado tivesse a quarta classe e soubesse ler e escrever bem e expressar adequadamente, por vezes não o transformavam em um assimilado e era obrigado novamente a fazer as classes anteriores como a 1a 2a e 3a Classes.
                                                                                                                                             
7.      Para além da Educação e o trabalho árduo obviamente existia divertimento ou uma actividade agradável praticada no momento de descanso ou de entretenimento como forma de aliviar a mente e criar o bem-estar. Gostaria de saber quais são?

Os assimilados divertiam-se bastante nas casas de cinema como 3 de Fevereiro actual CUCA (centro Universitário de cultura e Arte), Também conhecida como o cinema de São Jorge, também frequentávamos o Cinema Olímpio e o cinema nacional. Existiam clubes especializados para os assimilados, o ferroviário da Beira, foi um local eloquente para praticarmos e familiarizar-se com os desportos. Participávamos em bailes, faras e caso inventassem um jogo como meio de diversão no liceu e um negro assimilado fosse descriminado chegava o professor e dizia “Rapazes respeitem esse negro ele não é um preto qualquer”.

8.      Ainda lembra-se de algumas escolas ou liceus que maior parte de vós como assimilados frequentavam?

Lembro-me de Escolas como Pêro de Anaia que é a actual escola secundária Samora Machel a que frequentei e quem lá podia frequentar além dos brancos só podia ser filho de um Mainato ou de um cozinheiro que estivesse a trabalhar para o colono português. Escola industrial e comercial freire de Andrade, eram poucos negros assimilados que frequentavam. Fazer o primeiro e quinto ano na escola técnica industrial não era fácil e quem ali podia estar são filhos de mainatos e brancos, o colégio Luís Vaz de Camões (Actual Universidade Pedagógica da Beira), o colégio nossa Senhora dos anjos (Actual Universidade Católica de Moçambique-Ponta-gêa), Liceu António Enes, e o colégio João de Deus no esturro, era uma instituição primária e privada, e o liceu Eduardo Vilaça actual escola da Catedral.

9.       Qual foi o impacto do documento que servia como o vosso Bilhete de Identidade?
Podia circular livremente, já tinha o estatuto de um português e sabia que restaurante devia entrar. E muitos de nós tínhamos o interesse pela cinematografia.

10.  Os indígenas não assimilados necessitavam de obterem os mesmos privilégios que os assimilados no que concerne a educação. Será que houve alguém que fosse capaz de garantir essa igualdade?

Sim, o Dr. Rebelo de Sousa que construiu a escola primária das palmeiras, escola primária dos pioneiros como forma de melhorar a relação entre os indígenas e garantir as mesmas igualdades, e antes da sua chegada estava a ocupar a pasta de governador-geral da província ultramarina o Machado de Almeida e mais tarde entra o Rebelo de Sousa tendo em conta, que a actual escola de Sansão Muthemba antigamente tinha o nome de Dr. Rebelo de Sousa em homenagem a sua pessoa.
    









    APELIDO:                         MEDEIROS
     NOME:                               José Emídio da Conceição
     NATURALIDADE:           Maputo-Cidade
     NACIONALIDAE:            Moçambicana
     DATA DE NASCIMENTO: 02 Maio 1945
     MORADA:                            Ponta-gêa
     RAÇA:                                   Branco
      ESTADO CIVIL:                   Solteiro
           CONTACTO:                        -                      
1.      Hoje em dia tem se falado muito acerca do modus vivendus dos assimilados, como forma de fazer conhecer a histórias as novas gerações. Quando e como Adquiriu o estatuto de uma pessoa assimilada?

Os meus pais foram Assimilados, herdei de suas pessoas essa categoria. Obtive um certificado ou alvará, passado pelos administradores das circunscrições ou conselhos. Na época para ser um assimilado, demostrava que sabia ler, escrever e falar português fluentemente, ser trabalhador assalariado, comer, vestir, a mesma religião que os portugueses e era necessário manter um padrão de vida e de costumes semelhante ao estilo de vida europeu e não ter cadastro na policia.
2.      Durante o período que viveu como assimilado, como lidou com as questões ligadas ou relacionadas a educação, tendo em conta a escola que frequentava?

Frequentei o Ensino Primário na Escola António Enes – Beira e o Ensino Secundário- Liceu Pêro de Anaia, naquela época o ensino dos indígenas e dos assimilados era coercivamente distinto. O ensino primário elementar para os assimilados visava os instrumentos fundamentais de todo o saber e as bases de uma cultura geral, preparando-nos para uma vida edificada. E o ensino para os indígenas era para tira-los da vida de selvajaria.

3.      Quais eram os reais e prestigiáveis benefícios fornecidos pela escola que frequentava e será que o agradavam?

Os assimilados eram sujeitos a lei comum. Fomos bastante instruídos pelos professores e tínhamos um ensino de alta filigrana enquanto o ensino dos indígenas caracterizava-se pelo superficialismo.

4.      Nota-se que realmente as escolas de algum modo auxiliava-vos bastante, mas onde ela (s) localizavam-se?

A escola António Enes- Beira localizava-se ao redor do Maquinino junto ao bazar. A escola Pêro de anaia, situava-se no bairro de Matacuane. O projecto para o edifício próprio do Liceu de Pêro de anaia data a cerca de 1956. Foi inaugurado em 1959. Um ano após a independência o liceu ganha um novo nome, passando a chamar-se Escola Secundaria da Beira e em 1986 com a morte do ilustre e fervoroso Samora Machel a escola passa a ser considerada como escola secundária Samora Machel.
5.Como ocorria o acesso de outros serviços como transporte, a saúde e a educação?
De formas distintas e tudo era de acordo com uma mera particularidade. Os Assimilados estavam mais favorecidos. O acesso a educação era para todos, mas para os indígenas a educação era menos privilegiada. O acesso aos transportes era para todos mas como assimilados naquela época ocupávamos os lugares da frente que eram mais confortáveis e quanto a saúde os indígenas não assimilados não podiam infiltrar-se nos centros hospitalares europeus.
6. Qual era o período (Anos) determinado (s) para terminar de frequentar o liceu ou o colégio?
Bem, o ensino comercial iniciava de 1a à 5a classe. E no caso de atingires a 5a classe era fase preparatória para o ensino secundário. E nos Liceus o primeiro ciclo durava somente dois anos; o segundo ciclo durava aproximadamente três anos e o terceiro ciclo durava dois anos. Tanto no liceu e nos colégios, o vínculo de transmissão dos conteúdos é o Português e ensinava-se Geografia, e a História de Portugal.

6.      Para além da Educação e o trabalho árduo obviamente existia divertimento ou uma actividade agradável praticada num Momento de descanso ou de entretenimento como forma de aliviar a mente e criar o bem-estar. Gostaria de saber quais são?

Foram umas férias onde o menos habitual se tornou no dia-a-dia: praia, namoro e uma convivência mais participativa nas actividades do Centro Cultural e do Cineclube da Beira. As actividades no Cineclube foram as que mais marcadamente influenciaram o meu interesse nas artes cinematográficas. No meio de tertúlias onde a análise acabava Tinha passado as férias grandes sem qualquer esperança de acesso à Universidade, pois tendo deixado a minha cadeira preferida (Físico-química) para a segunda época, tendo em vista estar fresco para a admissão (e tentar convencer o meu pai a mandar-me para Lisboa) acabei por chumbar a Matemática. Preparava-me então para um sétimo ano simples, com direito a acesso aos serviços militares mandatários em 1966.

7.      Fiquei curioso, o porque de tanto interesse pela Cinematografia?

Por se quedar em questões de técnica de cinematografia, foi nascendo o interesse marcante pelas questões sociais e políticas que o bom cinema da época ia trazendo de vez em quando, por via de alguns clássicos adicionados às rabulas do “Charlot”. Paradoxalmente era este mais visto no cineclube na altura, sendo os outros filmes de interesse vistos no circuito comercial da cidade.
      




        APELIDO:                          AGULHA
   NOME:                              João   Peixe
   NATURALIDADE:          Sofala-Beira
    NACIONALIDAE:            Moçambicana
    DATA DE NASCIMENTO: 28 de Maio de 1938
    MORADA:                            Macurungo.
    RAÇA:                                   Negra
          ESTADO CIVIL:                   Casado
                               CONTACTO:                        847810338.
1.      Hoje em dia tem se falado muito acerca dos modus vivendus dos Assimilados, como forma de fazer conhecer a história as novas gerações. Quando e como Adquiriu o estatuto de uma pessoa assimilada?

Adquiri o estatuto de assimilado através do cartão de assimilação. Através do auxílio do meu pai que era o cozinheiro de um engenheiro português. De antemão testemunhas que também eram assimilados levaram-me para assimilação e tinha que ter uma forte relação e amizade com os portugueses, alguns que eram filhos de assimilados acabavam também o sendo. Tinha que ter o mesmo comportamento que os portugueses, caso contrário o tiravam o estatuto. Houve um misto na altura em que o tiraram este estatuto porque continuava sendo mecânico e não queria adaptar-se ao meio do português.

2.      Qual era o privilégio de ser assimilado?
Com o cartão de Assimilação tínhamos um ensino totalmente diferente dos não assimilados ou dos indígenas considerados como não assimilados. Já podíamos entrar em restaurantes, entravamos em cafeterias, em lojas e em cinemas como 3 de fevereiro no bairro da ponta-gêa, e o indígena não assimilado não podia estar próximo dos locais que frequentávamos. Tinha que ter uma boa habitação, hábitos tipicamente igual a dos portugueses.

3.      O que faziam em momentos de Lazer?
Para além do cinema jogávamos futebol mas sempre separados. Os indígenas não assimilados estavam mais em São Benedito na Manga e os assimilados jogavam o futebol no ferroviário.

4.      Como era o acesso a outros serviços como a educação, saúde e o transporte?

Os assimilados, Brancos, não assimilados todos nós tínhamos acesso a educação, ao transporte e a saúde, existia racismo pois os pretos caso partilhassem o mesmo transporte que o assimilado este não ocupava um lugar confortável, quando viajássemos em comboios os assimilados iam sentar-se nos bancos da trás e os pretos estabeleciam-se nos bancos da frente os pretos não tinham acesso ao hospital europeu e eram considerados marginais, pessoas sem cultura. Existia uma loja que o indígena não assimilado não entrava que era chamada de casa Empoleio que situava-se ao redor dos Seguro, próximo ao Millennium Bim e a casa chamada Bulha era para os pretos poderem adquirir e realizar certas compras.

5.      Que escola ou liceu frequentava naquela época e onde localizava-se?
Frequentei numa primeira fase a missão Broma, mais tarde apreciaram-me porque falava fluentemente a língua portuguesa e já dominava a leitura e a escrita e passei a frequentar o liceu Pêro de Anaia, no bairro do Matacuane. Fiz a 4a Classe bem-feita e muito bem trabalhada por mim e pelos portugueses que hoje pode comparar-se com o ensino Universitário pois aprendíamos tudo quanto preciso e necessário.

6.      Como era o trabalho nos Caminhos-de-ferro de Moçambique e no porto da Beira?
Tanto para os pretos e os Brancos o trabalho era o mesmo. No cais recebia-se semanalmente e trabalhava-se de Segunda à Sexta, e o salário era diferente pois os que trabalhavam no mineiro recebiam bastante e tinham um cartão de trabalho que identificava a sua posição e o seu esforço de trabalho e existia um cartão amarelo para todos não assimilados. Nos portos os indígenas trabalhavam nos porões e maior parte deles estavam no IZOFE- Matacuane.
Figura 1. Vista frontal da Antiga casa de cinema, 3 de fevereiro actual centro universitário de cultura e artes.
Fonte: O autor, 2018.
Figura 2. Antigo colégio Luís Vaz de Camões, actual Universidade Pedagógica.
Fonte: O autor, 2018.
Figura 3. Vista frontal do Antigo colégio Nossa Senhora dos Anjos, actual Universidade Católica de Moçambique-Ponta-Gêa.
Fonte: O autor, 2018.










Capitulo II.

2.1 O Historial da Cidade da Beira desde o tempo colonial até a época actual.

2.1.1 Localização Geográfica da Cidade da Beira.

A cidade da Beira, capital da província de Sofala, está localizada a cerca de 1.190 km a norte de Maputo, no centro da costa do Oceano Índico. É uma cidade portuária no Canal de Moçambique. O município tem uma área de 633 km², uma altitude média de 1 metros acima do nível do mar e está situado nas coordenadas 19° 50' sul e 34° 51' leste. Tem limite ao norte e oeste com o distrito de Dondo, a leste com o Oceano Índico e ao sul com o distrito do Búzi.

2.1.2 Toponímia da Cidade da Beira.

A cidade da Beira, antes se chamou Chiveve nunca Aruângua como por vezes, erradamente, se tem propalado nas terras tradicionalmente conhecidas por Bângoè.
Na opinião do Sr. Gulamo, a região onde se encontra implantada a cidade da Beira, foi primitivamente conhecida como Bângoè, junto a actual Baia de sofala, onde também desagua o rio Púngwe (conhecido na história como rio Aruângua). E a região hoje designada de sofala era conhecida como Buane.

2.1.3 Beira desde o Período Colonial.

 “Este período inicia-se com Decreto de 13 Outubro de 1926, de João Belo (Estatuto orgânico das Missões Católicas Portuguesas da África e Timor), que extingue as missões laicas ou missões civilizadoras e revigorou a intervenção das missões católicas”. (MAZULA 1995:78)
Segundo “Este período vai marcar um período de estreita colaboração entre o estado e a Igreja não deixando exclusivamente a esta educação dos «indígenas, como acontecera no período anterior, dos descobrimentos ate 1834, mas também não a excluindo totalmente, tendo em), conta o tradicional catolicismo da Nação (portuguesa)”». (BELCHIOR 1965:628 Apud MAZULA 1995:78)

2.1.4 Formação da cidade da Beira.

A cidade de Beira foi originalmente desenvolvida pela Companhia de Moçambique no século XIX, e depois directamente pelo governo colonial Português entre 1942 e 1975, ano em que Moçambique obteve sua independência de Portugal. Actualmente a cidade se encontra modernizada, embora ainda mantenha algumas áreas de gradadas e problemáticas, como é o caso do Grande Hotel Beira.
A povoação foi fundada pelos portugueses em 1887, numa área conhecida pelo nome de Aruângua, e logo suplantou Sofala como principal porto no território da actual província de Sofala. Originalmente chamada Chiveve, o nome de um rio local, foi rebatizada para homenagear o Príncipe da Beira Dom Luís Filipe, primogénito de D. Carlos I que, em 1907, foi o primeiro membro da família real portuguesa a visitar Moçambique, trazendo de Lisboa o decreto real que elevava Beira à categoria de cidade.
A construção de uma nova estação ferroviária foi concluída em 1966. Antes da independência, a Beira era destaque por seu porto marítimo bem equipado, uma das principais instalações de seu tipo em toda a África Oriental, e também pelo turismo, pesca e comércio. A cidade prosperou como um porto cosmopolita com diferentes comunidades étnicas (portugueses, indianos
A cidade da Beira, capital da província de Sofala, em Moçambique, celebra no dia 20 de Agosto o seu aniversário de ser elevada ao estatuto de cidade. O seu desenvolvimento desde um pequeno posto militar até se tornar num dos principais portos marítimos da costa oriental africana no período colonial, teve intervenção da administração directa da cidade pela empresa Companhia de Moçambique”. (CARVALHO 2012:1).
Esteve como base na criação da Companhia de Moçambique a Conferência de Berlim, em 1885, que obrigava os estados europeus à ocupação efectiva do território das suas possessões africanas. Sob esta premissa, um dos grandes dinamizadores para usufruir das riquezas moçambicanas foi Joaquim Carlos Paiva de Andrada, oficial do exército português e adido militar em Paris. Este constituiu duas empresas (em 1878 e 1884) para a exploração mineira e florestal de vastas áreas no centro de Moçambique mas, que por vários motivos, acabaram por ser liquidadas.
 Apesar destes fracassos iniciais, Paiva de Andrada logrou fundar, em conjunto com outras personalidades portuguesas, a Companhia Nacional de Moçambique. Esta propunha-se junto do Estado português a obter o direito de exploração colonial dos distritos de Sofala e da Zambézia (no litoral norte de Moçambique).

2.1.5 A economia da cidade da Beira no período em estudo.

A cidade vivia e ainda vive do comércio e do porto, que movimenta carga geral (carga solta/não contentorizada), mas também existe um terminal de contentores. A cidade está na origem de dois corredores de transporte. O Corredor da Beira liga ao Zimbabué, por via rodoviária e ferroviária e facilita o acesso do interior do continente ao litoral como, por exemplo, de Lusaka, capital da Zâmbia, país sem acesso directo ao mar. O segundo corredor liga ao Malawi e é neste momento exclusivamente rodoviário.
O porto tem o seu primeiro desenvolvimento em 1896, com a construção da ponte-cais do
caminho ferroviário, que permitiria a articulação da Beira à linha ferroviária de ligação à Rodésia, e ao interior de África, e que será inaugurada em 19002. Na sequência deste franco desenvolvimento, a Beira será elevada a cidade em 1907.
Os principais produtos de exportação do porto são açúcar, tabaco, milho, algodão, fibra de pita agave, Cromo, minério de ferro, cobre, chumbo, carvão. O Corredor da Beira contém também um oleoduto que liga o porto da Beira ao Zimbabué. A cidade da Beira é o segundo maior parque industrial do país logo a pós a Matola.

2.1.6 Origem étnica da população da Beira.

A população da cidade da Beira pertence na sua maioria ao grupo Bangwè, resultante do cruzamento ocorrido entre os Machangas, Matewes e Podzos do vale do Zambeze. A maioria da população é cristã, havendo também um elevado número de muçulmanos e hindus.

2.1.7 Religião.

A Arquidiocese da Beira, em latim: Archidioecesis Beirenses, é uma sede metropolitana católica de rito latino, com sede nesta cidade e criada em 4 de junho de 1984.

2.1.8 Turismo.       

O turismo é e sempre foi uma indústria em potencial para a Beira, mas os retornos são, até ao momento, limitados. Os atractivos turísticos da Beira incluem a Catedral da Beira, a Estação Ferroviário. também um serviço de batelão que liga a cidade a povoações vizinhas, especialmente o Búzi. A Beira é servida pelo Aeroporto Internacional da Beira situado a nordeste da cidade, com voos domésticos e internacionais.
2.1.9 Cultura.
Apoiando-se em Sr. Peixe, a cultura da cidade da Beira era totalmente tradicional como Makwai, que foi uma dança de expressão guerreira e Mandhique, que foi e ainda é considerada como uma dança tradicional e espiritual praticada na confirmação de novos curandeiros depois de um determinado período de formação e essa cultura normalmente praticava-se à noite.
E os indígenas não assimilados praticavam também a cultura designada como Ndokodo. Todas essas culturas eram proibidas pelos colonos portugueses. E os assimilados estavam proibidos de assistir essas danças praticadas pelos nativos da cidade da Beira.

2.1.10. Os bairros da cidade da Beira.

Segundo o Sr. Noé a cidade da Beira possui 26 bairros nomeadamente: Macuti, Palmeiras, Ponta-Gêa a Chaimite Pioneiros, Esturro, Matacuane, Macurungo, Munhava- Central, Mananga Vaz, Maraza, Chota, Alto da Manga, Nhaconjo, hingussura, Vila Massane, Inhamizua, Matadouro, Mungassa, Ndunda, Manga Mascarenhas, Muave, Nhangau, Nhangoma e Chonja.
O Sr. Noé acrescenta ainda que, todos estes nomes derivam da tradução da língua mais falada na Beira que é Ndau, não exceptuando a de Sena.
Na opinião do Sr. Gulamo, o bairro do Macurungo chavamava-se Ndobo e cultivava-se bastante batata-doce, e o bairro de Macuti assim chamou-se porque havia muitas casas feitas a palhas. Antes da chegada dos colonos portugueses estes bairros tinham nomes locais após a sua chegada os portugueses começam a introduzir novos nomes.
Segundo o Sr. Peixe, o bairro de Muchatazina provém de Martins que era um comercia português e na língua Ndau esta palavra era um insulto e significava coisas íntimas de uma mulher. O Sr. Gulamo, diz que a região hoje chamada Muchatazina em Ndau quer dizer nome feio. Os moradores deste bairro pensaram muitos nomes para atribuir a zona, visto que todos os nomes eram mais feios e um senhor disse Muchatazina que pretendia dizer escolheram um nome feio para a zona.
Na opinião do Sr. Noé o bairro da Munhava estava dividido em munhava do este (entre Maraza), Munhava central onde situa-se uma das zonas mais famosos conhecida como Matchipissa, Munhava do sul (entre Tchantchi), Munhava do norte (Caxiquinha) e Munhava do oeste (mais conhecido por Munhava Matope).
O bairro do Matacuane, explicam os entrevistados que assim chamou-se porque naquela região um homem que vivia ao redor da entrada com trajes rasgados mostrando as partes íntimas do corpo. O Goto provém de uma empresa que fazia bastante esgoto, o bairro de Nhamudima, assim chamou-se porque existia muitos poços, Nhamo-Conjunto e Ndima-poços (furos de água).
Segundo o Boletim de Arquivo Histórico de Moçambique (1989:272), “Nos bairros do Macuti, palmeiras e Ponta-gêa, embora as moradias por vezes se misturem com blocos residenciais colectivos, elas constituem, pelo seu caracter estético e de salubridade, a característica mais notável destes bairros”.
Apoiando-se ainda no Boletim de Arquivo Histórico de Moçambique (1989:273), “A qualidade das casas e sua ornamentação vai baixando significativamente à medida que se aproxima o núcleo comercial, ou seja, de Norte para Sul. Sobretudo a partir da transição dos bairros das Palmeiras para a Ponta-Gêa, as moradias de luxo vão sendo substituídas por moradias isoladas do tipo normal, e por algumas casas de alvenaria idosas e precárias. O estado precário em que se encontram as moradias tem haver com a discriminação social, pois são bairros outrora destinados aos asiáticos e mestiços. Trata-se da maior parte dos casos edifícios antigos de construção simples, alguns de madeira e zinco, assentando sobre estacas. Em alguns casos o abastecimento em água potável não está totalmente garantido nem existe um sistema de esgotos eficiente.
As casas são em geral de dois pisos, possuem garagem e instalações para arrumos e para empregados domésticos. Nestes bairros a densidade populacional é relativamente baixa do que a da restante cidade, o que significa também existe uma fraca intensidade de ocupação de espaço. A particularidade destes bairros não reside somente na sua favorável localização, sua exposição aos ventos frescos e sua instalação sobre terrenos secos e relativamente estáveis, mas refere-se também, e sobretudo, ao equipamento infraestrutural.
Senhor Gulamo acrescenta ainda que, a companhia de Moçambique vendia alguns territórios e estruturas como o grande hotel, e entrepostos. A companhia de Moçambique fazia o recenseamento de toda povoação no Macuti tudo sob auxílio de um régulo, secretário e um adjunto e existiam os sagotas que eram considerados como policiais. E na companhia de Moçambique não existia nenhum assimilado lá a trabalhar, quem lá opera são os indígenas civilizados que tinham atingido a 4ª classe. 

 

 

 

 

 

 




Capitulo III.

3.1 O historial de algumas estruturas da cidade da Beira.

No conjunto da baixa da cidade da Beira existem vários edifícios com interesse histórico-cultural embora alguns se apresentam em ruínas como a Casa Portugal, Casa dos bicos, o Grande Hotel entre outros. Possui uma arquitectura bastante rica que é exemplo excepcional de uma dicotomia urbana resultante da diversidade cultural e interação entre os europeus e asiáticos (enquanto isso, as classes médias constituídas por operários qualificados e funcionários públicos residiam no Esturro e Matacuane. O Bairro de Maquinino era habitado maioritariamente por operários, enquanto os chineses e indianos viviam nos respectivos estabelecimentos comerciais na Baixa da cidade (ARPAC, 2008:8).

3.1.1 A formação do Grande Hotel e seu impacto para os Assimilados.

Hóspedes da noite AZEVEDO (2007) Apud SPINUZZA (2016:277), “vencedor de vários prémios internacionais, é um documentário que relata a vida dos ocupantes do antigo Grande Hotel da Beira, em Moçambique. Sediado na então glamorosa cidade da Beira, o hotel era um exemplo de luxo que devia atrair numerosos turistas internacionais, especialmente os que provinham da antiga Rodésia (hoje Zimbabwe) ”.
Inaugurado em 1955, com mais de trezentos quartos, luxuosas suítes, uma piscina olímpica e clubes de dancing, o hotel revelou-se pouco rentável, e alguns anos depois da inauguração estava prestes a fechar. Até a data do fecho definitivo, as instalações do elegante espaço continuaram a funcionar ocasionalmente para os eventos da boa sociedade beirense e não só. Mais tarde, ao longo da guerra colonial e após a independência, o hotel foi utilizado como base militar e local de refúgio. (SPINUZZA, 2016:277).
Hoje, a decadência apoderou-se completamente do hotel: sua estrutura foi escarnificada, tudo foi retirado e vendido: as canalizações, as janelas, as madeiras, até alguns dos blocos de betão que seguravam a construção arquitectónica. O esqueleto do hotel é habitado por uma numerosa comunidade de ocupantes, alguns dos quais chegaram durante a guerra civil à procura de abrigo.
Decadência foi o destino que conheceu também a cidade da Beira, quando seu porto e seus caminhos-de-ferro esgotaram suas funcionalidades devido à mudança das relações políticas com o antigo regime rodesiano, ao começo do processo de independência do país e à longa guerra que se seguiu. (MAGALHÃES 2012:1 Apud SPINUZZA 2016:277).
O documentário de Azevedo foca-se sobretudo nos novos habitantes do hotel. Estas pessoas que vivem sem saneamento, água e electricidade são parte de uma heterogénea comunidade de sobreviventes com uma administração e tribunal de moradores (mais ou menos oficiais), lojas e locais de culto, regras e leis.
Já na altura da sua construção, durante a época colonial, o projecto do hotel, exageradamente grande e dispendioso, estava desajustado do contexto no qual se inseria. As etapas de construção e decadência do hotel acompanharam a história da Beira, cidade florente nos anos 1950 e 1960 graças à ligação entre a então Rodésia e o mar, que viveu um período de decadência a partir da guerra colonial. Com efeito, a subsistência económica da cidade era determinada sobretudo pela linha dos comboios, o assim chamado “corredor da Beira”, que fazia a ligação entre o território rodesiano e o mar (op.cit:278).

3.1.2 O Trabalho idealizante realizado pelos Arquitectos para a sua construção.

Inicialmente projectado pelo arquitecto José Porto, o hotel devia incluir um cassino, que não foi autorizado, contribuindo assim para o desgaste financeiro da estrutura. Sucessivamente, o projecto inacabado passou nas mãos de outro arquitecto, Francisco Castro, que completou a construção do luxuoso edifício”. (SPINUZZA, 2016:278),
“Com sua fachada curvilínea e dimensão monumental, o hotel tinha uma posição privilegiada à frente do Índico. Hoje, o local de opulência de uma elite colonial é reconvertido numa estrutura agonizante e lúgubre que, na miséria extrema, abriga uma multidão”. (SPINUZZA, 2016:278).

3.2 O Trabalho Magnífico de Arquitectos e suas devidas construções na cidade da Beira.

Também Paulo Melo Sampaio (1926-1968) e Francisco José de Castro (1923-) Formados pela Escola de Belas Artes de Lisboa se entusiasmam com as possibilidades de construir num território em franco desenvolvimento e instalam-se na Beira no início da década de 50, exercem uma actividade liberal prolífera, dominada pela encomenda privada especialmente no domínio da habitação unifamiliar”. (MAGALHÃES, 2012).
Paulo Sampaio é autor de alguns dos edifícios mais marcantes da cidade da Beira, evidenciando uma influência clara da obra de Le Corbusier filtrada através da plasticidade da arquitectura brasileira especialmente da obra de Afonso Eduardo Reidy (1909-1964). O seu Conjunto Residencial do Pedregulho (1946) serviu de mote a obras exemplares como o Automóvel Touring Clube de Moçambique (1957), hoje Palácio dos Casamentos, o Motel Estoril (1959) ou o Pavilhão do Clube Ferroviário (1957). (MAGALHÃES, 2012).
Francisco Castro que chegara à Beira em 1953 com a missão de concluir o Grande Hotel da Beira (projectada em 1947 pelo arquitecto José Porto) desenvolve um conjunto de projectos essencialmente de iniciativa privada dos quais se destacam o edifício do “Diário de Moçambique” (1954), o Colégio dos Maristas (1959).
João Garizo do Carmo (1917-1974), “formado na Escola de Belas Artes do Porto e recém regressado à Beira, a sua cidade natal, desenha a Igreja da Manga (1955) com a consciência de que não poderá recorrer a outro imaginário que não o do seu tempo”.

3.3 A lembrança dos momentos vividos pelos assimilados no grande hotel.

 “As memórias de dois ex-empregados, o Sr. Caíto e o Sr. Pires, que substituem a voice over do narrador, acompanham o percurso da camêra. Enquanto os dois avançam desde as câmaras frigoríficas e a lavandaria da cave do hotel até o terraço, onde vive o louco e dois irmãos órfãos, relembram o passado”. (AZEVEDO 2007 Apud SPINUZZA 2016:278)
Nas passagens entre os corredores, escadas e quartos do hotel, o documentário oferece-nos também o testemunho directo dos moradores, com suas histórias de guerra e deslocações forçadas. Essas pessoas, que tiveram um passado difícil, enfrentam hoje um presente feito de sacrifícios e dificuldades porque, como afirma uma das mulheres que se refugiou no hotel durante a guerra civil, “viemos para a Beira enfrentar outra guerra, a pobreza”.


Figura 4. Vista frontal do grande Hotel, em condições precárias e degradantes.
Fonte: O autor, 2018.










Figura 5. Ilustração da vista frontal do Grande Hotel, Beira.
Fonte: O autor, 2018.

Figura 6. Vista traseira do Grande Hotel, Beira.
Fonte: O autor, 2018.

Capitulo IV.

4.1 O surgimento dos Caminhos-de-ferro e o porto da Beira.

A história dos CFM é a história de heroicidade dos trabalhadores moçambicanos; daqueles que faziam comboios enfrentando a morte, dos muitos maquinistas que saíram para trabalhar e não mais voltaram à casa, de outros tantos que foram feridos, mas o seu sentido de patriotismo não permitiu que a empresa parasse.
Respondendo à necessidade de construir um grande equipamento para albergar o movimento existente de passageiros e mercadorias do denominado “corredor da Beira”, que constituía a ligação do interior de África, nomeadamente a Rodésia (actual Zimbabwe), ao porto da Beira situado num braço de mar, no Oceano Indico. Na opinião do Sr. Peixe a estacão dos caminhos-de-ferro foi inaugurada aproximadamente em 1966, e ela foi criada pela The porto of Beira Development Corporation.
A construção da Estação de Caminho-de-ferro anunciava essa azáfama e o desenvolvimento da cidade. Situada no extremo Norte da cidade, junto ao Porto, esta grande infraestrutura actua como remate no plano da cidade.
Na opinião de Sr. Gulamo os assimilados nos caminhos-de-ferro trabalhavam nas oficinas como mecânicos, serralheiros, soldadores e alguns negros com a caderneta de 16 folhas aproveitaram da CFM para tornarem-se cidadãos assimilados, alguns deles acabavam tornando-se Maquinistas.
Apoiando-se no Boletim do Arquivo Histórico de Moçambique (1989:297-298), “O porto da Beira é um dos centros nevrálgicos mais importantes para o desenvolvimento presente e futuro da economia nacional e regional. Situado na foz do rio Punguè, cuja área hidrográfica cobre cerca de 7.205.000 m2 (…)”.

4.2 Arquitectos que desenvolveram o projecto dos Caminhos de Ferro de Moçambique.

Apoiando em MAGALHÃES (2012:4) “Em 1958, Bernardino Ramalhete, arquitecto municipal, constituiu uma equipa que desenvolveu o plano geral da Estação. Assim, o projecto foi dividido em três partes, distribuídas por cada arquitecto da equipa embora a coordenação e a fiscalização da obra seja atribuída ao arquitecto Paulo Melo Sampaio.
Figura 8. Vista frontal das estações do caminho-de-fero.
Fonte: O autor, 2018.









Conclusão.

Durante o trabalho de Campo ficou claro que a política de assimilação foi uma tentativa de Portugal destruir a tradição cultural das suas colónias africanas e, através da sua europeização, formar uma elite privilegiada que colaborasse com os colonizadores. Tendo em conta que os indígenas não assimilados eram totalmente distintos dos assimilados tanto pela questão relacionada ao acesso a educação, ao transporte e a saúde. Com o estatuto dos indígenas de 1926, com nova versão em 1929 e com o acto colonial constitucionalmente instituído, acentuou-se o fosso existente entre uma elite de africanos em relação aos demais, pela divisão entre os chamados assimilados considerados como cidadãos sujeitos à lei comum e os chamados indígenas, inseridos apenas no seio da sua própria cultura de origem.
Constatou-se por um lado que, a cidade da Beira cresceu vigorosamente, especialmente entre 1960 e 1974. A proclamação da independência, em 25 de Junho de 1975, significou uma nova fase do desenvolvimento da cidade, caracterizada pela alteração da sua estrutura socioeconómica e político-administrativa. Nas proximidades da praça do município situam-se os principais edifícios dos mais variados estilos e com diversas funções tais como a administração pública, comércio, escritórios e outros serviços. Alguns destes edifícios apresentam-se ainda em estado original, apesar de terem sido restaurados.










Referências Bibliográficas.

ARPAC, (2008). Pequeno subsídio sobre o centenário da cidade da Beira. Beira: Diário de Moçambique.
MAGALHÃES, A. (2012). Estação de Caminho de Ferro da Beira: Apogeu e Crítica do Movimento Moderno em Moçambique. Atas do Congresso Internacional Saber Tropical em
Moçambique: História, Memória e Ciência. Lisboa: Instituto de Investigação Científica
Tropical.
MAZULA, B. (1995). Educação, cultura e Ideologia em Mocambique.1975-1985 em busca de fundamentos filosóficos-antropológicos. Fundo Bibliográfico da língua portuguesa, edições Afrontamento.
SPINUZZA, G. (2016). Olhares cruzados sobre o grande hotel da Beira: Hóspedes da noite, Licínio Azevedo, e “casas de ferro”, de João Paulo Borges Coelho.
BOLETIM do AHM, (1989). Cidade da Beira, Nº 6 especial.




[1] Estudante de História e Documentação, Monitor e pesquisador social na Universidade Licungo-Beira.

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